No ano que viria a ser o seu centenário, Dalton Trevisan e sua literatura são lembrados e simbolizados na peça “Daqui Ninguém Sai”, espetáculo da Mostra Lúcia Camargo, no Festival de Curitiba. Suas obras têm como principal característica a representação da cidade que observava, e a peça busca manter a ideia, em uma releitura que possibilita acesso gratuito ao público.
Dalton Trevisan (1925-2024) é considerado um dos principais escritores brasileiros contemporâneos. Tendo nascido e vivido em Curitiba, formou-se em Direito na Faculdade de Direito do Paraná (atual Universidade Federal do Paraná), onde começou o seu contato com a literatura. Inspirado no cotidiano da cidade, a carreira de escritor se sobressaiu em sua vida, o que inclusive levou-o a ganhar quatro vezes o Prêmio Jabuti -em 1960, 1965, 1995 e 2011-, e o Prêmio Camões, em 2012, o maior da literatura em língua portuguesa.
Apesar do reconhecimento, Trevisan não gostava do destaque e possuía um perfil recluso, mantendo-se de difícil contato. Segundo o jornalista e pesquisador em Letras, Roberto Nicolato, este é o grande paradoxo do contista. “Apesar de ter vivido escondido, ele estava sempre atento a tudo. Estava ligado ao mundo e captando os sinais, os discursos, e refazendo, remodelando, transformando em uma literatura”.
Dalton é a alma de Curitiba
Roberto Nicolato – Pesquisador
Nicolato defendeu sua tese de mestrado com a temática da relação do espaço urbano e a literatura de Dalton Trevisan, tendo como base o livro “Em busca de Curitiba Perdida”, do contista. Para ele, “Dalton é a alma de Curitiba”. “As pessoas são curitibanas, os espaços são curitibanos”, fala, “e até podemos dizer que Curitiba é uma personagem própria nas obras dele”.

De acordo com a diretora da peça, Nena Inoue, “você pega [obras do] Dalton que escreveu em 1940, e é muito atual”. “Ele é a melhor tradução de Curitiba, da alma humana e dos invisibilizados e dessa cidade e, portanto, de qualquer cidade do mundo. O Dalton é universal”, destaca.

Daqui ninguém sai
A peça, com apresentações nos dias 26 e 27 de março, realiza um compilado de contos do autor, junto a uma representação metalinguística do funcionamento da criação teatral. A intenção foi revelar ao público os percursos de criação, montagem e transformação de uma obra literária em teatro. “A gente mostra o processo de criação desses atores, dessas atrizes, que fizeram o teste do TCP [Teatro de Comédia do Paraná] e que participaram da criação da peça. É metateatro, nada muito novo, mas é muito honesto com o processo que a gente viveu”, conta a diretora.
Utilizando uma abordagem que evidencia a Curitiba de Dalton, o público foi convidado a inverter os papeis e entrar no Guairinha por dentro do palco. Ao atravessar a cortina branca com ilustrações refletidas, o espectador era tomado por sons que compõem o dia a dia curitibano, como a propaganda do carro do sonho. Os atores também iniciaram o espetáculo atravessando pelo meio da plateia.



As relações do elenco e do público com o trabalho do autor são evidenciadas principalmente no retrato urbano. “A peça traz momentos que cada um já teve com a cidade”, disse o espectador da peça Marcos Trindade, também produtor cultural. “E nos contos é mostrado bem isso. Quando li Dalton, vinte anos atrás, e hoje vendo este espetáculo, lembrei destas conexões do que passei, de como vejo e de como os outro veem a cidade”, ressalta.

Ficha Técnica
Repórteres: Ana Clara Osinski e Isadora Kovalczuk
Revisor: Marya Marcondes
Edição final: Alana Morzelli