Texto por Eduardo Perry e Jonatas Cidreira
Estreada em 2019, a performance-ritual Ühpü chegou à capital paranaense pela primeira vez neste fim de semana, nos palcos do Festival de Curitiba. No sábado (6) o espetáculo foi realizado no Museu Paranaense (MUPA), mas teve que ser transferido para a Casa Hoffmann no domingo (7), por conta do frio. Ühpü não é apenas uma performance; é um ritual xamânico verdadeiro e envolve danças, cantos e o consumo de substâncias como o rapé, que tem significado espiritual para os membros das etnias Ye’pá Mahsã e Huni Kuin da Amazônia. A apresentação é conduzida por indígenas e não indígenas do grupo amazonense Tabihuni, que se dedica à pesquisa e à divulgação de conhecimentos indígenas xamânicos, além das produções cênicas.
Ühpü significa “corpo” em Ye’pá Mahsã. A ideia do espetáculo, dirigido pelo xamã do ritual, o indígena Bu’ú Kennedy, é explorar a ideia de “corpo” indígena, através de experiências sensoriais diversas — como cantos e danças — envolvendo inclusive o consumo coletivo de substâncias consideradas psicoativas como o rapé, que estão fortemente ligadas à espiritualidade indígena. Durante a performance, todos são guiados pelo xamã, inclusive o público, que se vê obrigado a mergulhar na experiência do ritual.
De acordo com Bu´u Kennedy, o processo de misturar a espiritualidade com a arte ocidental foi bastante complexo. O diretor, que é da etnia Ye’pá Mahsã, apelidada de “Tukano” e comum da região do alto do Rio Negro no estado do Amazonas, conta que sofreu repressão de seus pais, que acreditavam que tais saberes não deveriam ser compartilhados dessa forma. No entanto, por acreditar na importância de difundir e preservar conhecimentos, ele decidiu persistir e colaborar no desenvolvimento da performance.
“A performance é um caminho para fazer com que as pessoas busquem entender mais sobre a nossa cultura”. Reforça Bu’u
De onde surge o diálogo
O Instituto Tabihuni existe desde 2022, tendo sido antes um núcleo de pesquisa em artes cênicas, que ainda existe, vinculado a Universidade Estadual do Amazonas (UEA). De acordo com o coordenador do instituto e um de seus fundadores, Luiz Davi Vieira Gonçalves, a organização tem como um de seus principais objetivos estabelecer um diálogo entre artistas (não-indígenas) e indígenas através do fomento de práticas de rituais e xamanismo, que é realizado em parceria com diversos outros projetos na Amazônia. Esse diálogo é realizado tanto no campo artístico, como no campo acadêmico, através de pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Segundo o Gonçalves, a ideia de criar o instituto partiu de uma experiência pessoal que o coordenador teve enquanto fazia uma pesquisa de campo com indígenas Yanomamis. Como pesquisador, ele gostaria de aproximar as práticas culturais e espirituais indígenas ao contexto da arte “ocidental”. “Fiquei pensando: como trazer tudo isso para um palco? Um espaço de arte”, ele afirma.O resultado é a criação de espetáculos carregados de cultura, como “Ühpü”, que cumprem com o papel de divulgar e manter vivo um conhecimento pouco difundido. Além das etnias Ye’pá Mahsã e Huni Kuin, o Instituto se relaciona com lideranças de várias outras origens indígenas, realizando também projetos voltados para outras áreas da cultura e medicina indígena.