A amizade entre cães e seres humanos vem desde os tempos pré-históricos. Não se sabe ao certo quanto tempo ela já perdura, mas, de acordo com a teoria mais aceita sobre o assunto, a domesticação dos cães data de, pelo menos, 11 mil anos. Foi um processo lento, de troca de favores: o ser humano dava aos lobos mais mansos o excesso de alimento produzido na agricultura e, em troca, os animais ofereciam proteção contra predadores. Ao longo dos séculos, por meio do processo de seleção artificial, o ser humano desenvolveu as raças que conhecemos hoje. Em 2012, o mundo já contava com 173 milhões de cachorros.
A relação com os cães, depois de todo este processo, se tornou cada vez mais complexa. De acordo com Ceres Faraco, diretora científica e professora do Instituto de Saúde e Psicologia Animal (INSPA), a relação homem-animal possui ambivalências. Assim como o relacionamento entre os seres humanos, ela pode variar entre os extremos de amor e ódio. “Os animais são adorados em cultos religiosos, amparados e tratados como amigos e, em outros momentos, maltratados e sacrificados”, explica. Apesar das contradições, a professora afirma que a relação é benéfica para ambos os lados. “A vida humana, compartilhada com os outros animais, está instituída no nosso contexto como uma nova realidade de existência, que atende a necessidades contemporâneas de vida social”, diz.
Animais terapeutas
Neste contexto de trocas entre seres humanos e animais, surgiu a Terapia Mediada por Animais (TMA), mais conhecida como pet terapia. Ela pode ser realizada com diversos animais, como gatos, chinchilas, calopsitas ou até ratos de estimação. O mais comum no Brasil é a terapia com cães. Faraco explica que a TMA pode ser aplicada em diversas situações, como com pacientes em reabilitação física e social, pessoas internadas ou até mesmo com crianças com dificuldades de aprendizagem. Para ela, a Terapia pode ser útil em todos estes contextos de formas diversas. “Em todos os casos, a TMA funciona como uma ponte entre o terapeuta e paciente, seja para facilitar na adesão a um protocolo terapêutico, ao uso de medicações ou à continuidade de uma psicoterapia”, afirma.
O uso extensivo de animais neste tipo de prática não é novo, mas se espalha lentamente pelo Brasil. Annelisa Faccin, psicóloga e voluntária do Instituto Cão Terapeuta, diz que os benefícios para os assistidos são visíveis. “Podemos observar melhoras em seu estado de humor, autoestima e autoconfiança, favorecimento de socialização com o meio onde vive, entre outros pontos positivos”, coloca.
Na dose certa, benefícios para todos
Nem todos os animais podem ser incluídos em programas de pet terapia. Nas instituições que realizam este tipo de trabalho, os bichos passam por uma série de avaliações comportamentais e de saúde. “O cão terapeuta deve ser emocionalmente equilibrado, gostar do contato com pessoas e outros cães, ser bem educado e sentir-se bem em diversos ambientes”, enumera Annelisa.
Natalia Martins, adestradora e pós-graduada em manejo comportamental de cães e gatos pela PUCPR, é voluntária no Instituto Cão Amigo com sua cadela Lisa, da raça Golden Retriever. As duas realizam, há quatro anos, atividades terapêuticas em casas lares e também no Hospital Evangélico. Para ela, a pet terapia faz bem não só para os assistidos, mas também para os voluntários e para os animais. “Eu dedico uma hora e meia a cada quinze dias para o próximo, sabendo que eu vou fazer diferença na vida daquela pessoa nem que seja por um momento”, conta.
Natalia acrescenta que, para os cães, a terapia adquire um significado maior. “O instinto do cachorro é trabalhar e ser útil, manter a mente ocupada. Todos os voluntários dizem que os animais sabem que estão trabalhando”, afirma. O trabalho gera cansaço e, como consequência, os cães têm menos problemas comportamentais em casa. Além disso, o contato entre o dono e seu próprio cão aumenta, pois a pet terapia demanda preparativos anteriores, como banho e treinamento. “O cão terapeuta é muito mais aceito na sociedade, porque aprende a conviver com pessoas diferentes: idosos, crianças e cadeirantes, por exemplo”, completa a adestradora.
Contudo, em excesso, a terapia pode provocar malefícios aos animais. Muitas horas de atividade podem gerar stress, que desencadeiam problemas comportamentais e de saúde. Por isso, instituições como o Cão Amigo dão aposentadoria aos cães terapeutas. “Tem que haver um limite, não pode exigir demais do cachorro. O animal deve se sentir à vontade e ter prazer em desempenhar a atividade”, conclui Natalia.