Quatro bilhões de horas em vídeos assistidas, um bilhão de usuários ativos e mais de 3,1 milhões de horas de conteúdo postado – tudo isso mensalmente. Essas são as impressionantes marcas atingidas pelo YouTube, maior plataforma online de compartilhamento de vídeos do mundo. Oferecendo grande visibilidade e nenhum custo extra para veiculação de conteúdo, o site tem chamado a atenção de pequenas produtoras e se estabelecendo como o principal reduto das webséries. Os seriados virtuais, atualmente, representam uma fatia considerável da indústria cultural brasileira.
Como o nome sugere, as webséries – ou webshows – são seriados hospedados e compartilhados no ambiente virtual, em plataformas de armazenamento de vídeos. A produção pioneira do gênero foi a série americana Homicide: Second Shift, drama policial que estreou em 1997 e funcionava como um complemento ao sucesso da TV estadunidense Homicide: Life on the Street.
No Brasil, o boom aconteceu em 2011, quando produtoras brasileiras apostaram suas fichas em episódios piloto curtos, mas com ares de produção hollywoodiana, que foram postados na internet com o objetivo de atrair patrocinadores. Dessa leva, surgiram destaques como #E_VC?, O Demônio não Sabe Brincar e o estrondoso sucesso 3%, considerada até hoje uma das referências do gênero. Desde então, os sites de armazenamento de vídeos tem sido portas de entrada para produtores, diretores, atores e roteiristas iniciantes. Hoje, já existem diversas produtoras audiovisuais especializadas em mídia online.
Os sonhos e os percalços
Inspirado pela franquia Resident Evil, o ator e diretor curitibano Everson Wess reuniu alguns amigos para anunciar que pretendia criar uma série sobre zumbis e contava com a participação deles no elenco. Naquele momento, a websérie Lifeless – Sem Vida dava seus primeiros passos. Assistida aproximadamente 16 mil vezes e com cerca de 4 mil curtidas em sua fanpage, a produção vem se destacando como um dos maiores sucessos paranaenses do gênero. O criador e roteirista comemora não apenas pelos bons números, mas pelas dificuldades que foram vencidas até aqui. “Quando comecei a escrever, não tínhamos nem equipamento. Desde o primeiro script até o início das gravações, foram oito meses, porque precisávamos juntar dinheiro para comprar uma câmera”, conta Wess.
O universitário Allan Ferraz também levanta a questão da necessidade de lucro como uma das dificuldades para as webséries se manterem fora da internet. “Um dos motivos pelos quais essas séries tem mais espaço online é que na TV há a lógica de mercado, do lucro e da audiência. Roteiros que saem do convencional não se sustentam na televisão”, opina o estudante de Comunicação Social que, há poucos meses finalizou a produção de seu primeiro projeto que saiu do papel – o episódio piloto de EXtrema Paixão, um suspense envolvendo um serial killer e um relacionamento obsessivo.
Perspectivas
Lifeless revolucionou o gênero a nível nacional ao ser a primeira websérie brasileira a tratar do universo dos mortos-vivos, uma grande tendência da indústria cultural norte-americana. A história de um grupo que sobrevive em um mundo pós-apocalíptico composto por uma população majoritariamente zumbi já ganhou até mesmo as salas da Cinemateca de Curitiba em junho deste ano. Mesmo com todo o sucesso, a produção de webséries continua difícil porque os editais e incentivos voltados ao conteúdo online ainda são escassos e, quando existentes, pouco divulgados.
Apesar das dificuldades, o panorama tem mudado e o gênero tem, aos poucos, conseguido seu reconhecimento. Em 2014, as séries Orange is the New Black e House of Cards, ambas produzidas pela Netflix – empresa americana que oferece produtos audiovisuais pela internet – estiveram entre os grandes destaques em número de indicações ao Emmy Awards, considerado o Oscar da televisão. No Brasil, a RioFilmes lançou, em parceria com o YouTube, um edital prevendo a distribuição de R$1,5 milhão para a produção de até 30 webséries.
Allan Ferraz, que pretende continuar a produção de EXtrema Paixão e tocar novos projetos em breve, aposta que a tendência é o mercado de webséries continuar se expandindo. “A flexibilidade é um bônus muito grande na vida moderna. A websérie você pode assistir quando quiser sem que isso interfira na sua rotina. Também não existe a necessidade de ficar ali, parado em frente a TV”, diz.
Para Everson Wess, as oportunidades decorrentes dessa popularização do gênero bateram à porta duas vezes. “Fui recomendado em uma escola pelo Fernando Severo e ganhei um curso de direção”, conta, referindo-se ao cineasta que tem no currículo produções como Olhar Contestado e Curitiba Zero Grau. Á Lifeless também foi oferecido um espaço na grade da TV Transamérica. Entre Wess e esse sonho, entretanto, ainda existe um obstáculo. “O problema é que teremos que pagar pelo espaço. Agora nosso objetivo é correr atrás de patrocínio, nos profissionalizarmos e investirmos dinheiro na série”, afirma.