No dia 7 deste mês, o Ministério da Economia anunciou o repasse de R$ 680 milhões destinados ao Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCTI) para outros órgãos, como os ministérios da Agricultura, Educação, Saúde e Comunicações. O valor representa 92% dos recursos destinados à pasta e advém do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT).
Os cortes no MCTI ameaçam entidades tal qual o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financia estudos no país por meio de bolsas para pesquisadores e de editais de patrocínio de projetos. Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) indicam que mais de 95% da ciência brasileira é feita nas universidades públicas, que, na maioria das vezes, dependem destes recursos para seu funcionamento.
A Universidade Federal do Paraná não é diferente. Com 91 Programas de Pós-Graduação em diversas áreas de conhecimento, a instituição tem se destacado nos rankings mundiais, como o Academic Ranking of World Universities, que a classificou como a oitava melhor universidade do Brasil. No entanto, a continuidade das pesquisas em 2022 segue incerta, pois, se o corte no Ministério da Ciência e da Tecnologia for efetivado, a UFPR perderá grande parte de seus recursos.
De acordo com Juliana Schussel, representante do fórum de coordenadores de pós-graduação da Universidade, o dinheiro do estado não é suficiente para manter a Universidade. “Infelizmente, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Paraná não tem capacidade de fomento como São Paulo, o que limita as opções para captação de recursos nas agências federais. O corte anunciado praticamente inviabiliza qualquer possibilidade de edital de fomento para as diferentes áreas do conhecimento, e, sem recursos, fica cada vez mais difícil avançar nas pesquisas e nos projetos de inovação tecnológica”, explica.
“Sem recursos, fica cada vez mais difícil avançar nas pesquisas e nos projetos de inovação tecnológica”
Juliana Schussel, representante do fórum de coordenadores de pós-graduação da UFPR
O pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade, Francisco Mendonça, alerta que a retirada de recursos do MCTI pode afetar diretamente a ciência produzida na UFPR e também os pesquisadores, que não têm reajuste em sua bolsa desde 2013. “Se efetivados os cortes, muitos projetos não receberão os recursos previamente estabelecidos e o valor das bolsas vai continuar cada vez mais defasado. Além disso, inúmeros pesquisadores da UFPR que lançaram candidaturas nos editais do CNPq terão projetos provavelmente aprovados no mérito, mas não receberão recursos financeiros, o que significa dizer que não vão poder ser desenvolvidos”.
Já o professor do Programa de Pós-Graduação em Química da UFPR Aldo Zarbin é um dos cientistas que participou do edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em busca de recursos para sua pesquisa. Membro da Academia Brasileira de Ciências, o pesquisador trabalha com química de materiais, especificamente em nanotecnologia, desenvolvendo materiais diversos para uma série de aplicações voltadas pra área de energia e de sensores.
Agora, Aldo não sabe se poderá realizar o projeto inscrito no CNPq. “Assim como eu, praticamente todos os pesquisadores do país submeteram pesquisas, e agora não há mais recursos. Como faremos em uma situação como essa?”, questiona.
Confira mais detalhes sobre o financiamento científico no país no vídeo a seguir, gravado durante entrevista com o professor Aldo.
A cultura científica no Brasil
Durante a pandemia de Covid-19, diversos membros da sociedade reconheceram a importância da ciência, porque, por meio dela, foram desenvolvidas vacinas em tempo recorde para imunizar a população contra a doença. No Brasil, a força da área é expressiva, já que é a 13ª maior nação produtora de conhecimento científico no mundo, com 372 mil trabalhos publicados entre 2015 e 2020, de acordo com Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
Entretanto, as autoridades brasileiras pouco admitem o papel das universidades e institutos de pesquisa no desenvolvimento do país. O pró-reitor da UFPR ressalta que a postura de redução dos recursos destinados à ciência faz parte de uma política iniciada ainda em 2016, durante o governo de Michel Temer. O então presidente criou um programa de contenção de gastos de 20 anos para o país, que incidiu diretamente na saúde, na educação e na ciência. “De lá para cá, a redução tem sido drástica dos recursos destinados a essas áreas”, reconhece.
O professor Aldo acredita que falta aos brasileiros uma conscientização quanto à importância da ciência, bem como acerca de seus processos. “A cultura da ciência como profissão não predomina no país ainda. As pessoas não têm muita clareza do que é ser um doutor, acham que o doutor é advogado ou é médico, sendo que não, doutor é quem faz um doutorado e defende uma tese, é um grau acadêmico. E para passar por ele você tem que ser formado inicialmente, o que é exclusividade em nosso país”.
Em defesa da ciência
Dada a importância dos recursos federais no financiamento da pesquisa no país, os cientistas brasileiros tentam impedir a retirada dos recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia. Um dia depois do anúncio da medida, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) repudiaram-na em nota conjunta, indicando sua ilegalidade.
Além disso, centenas de pesquisadores ao redor do país se reúnem em ações organizadas por entidades como a SPC e a SBQ, a Sociedade Brasileira de Química, para discutir o assunto e buscar possíveis maneiras para impedir os cortes. Também foram promovidos tuitaços, ou seja, manifestações via Twitter, contra a medida.
Perder a continuidade das pesquisas em plena pandemia de Covid-19 representa um enorme risco para o país e, inclusive, para a população. “O avanço científico garante o progresso e soberania de uma nação. Ter o Instituto Butantan e a Fiocruz foi muito importante na pandemia, pois nos ajudou a ter mais vacinas para imunização da população e esses dois institutos de pesquisa só existem porque em algum momento houve um investimento em ciência e com isso tivemos essa vantagem num momento tão crítico’, explica a professora Juliana Schussel.“Não há como ignorar o impacto da ciência no dia a dia da população e a contribuição para a sua qualidade de vida”.
Para compreender melhor o funcionamento da ciência no Brasil e sua importância, ouça abaixo um podcast produzido especialmente para esta reportagem.