qui 18 abr 2024
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Fringe para todos: Festival traz arte para ruas da capital

Mostra do Festival de Curitiba, que levou moradores da capital para ruas do Centro no último final de semana, revive essência do teatro

De cara nova. Em sua 31° edição, o Festival de Curitiba que conta com mais de 350 apresentações tanto teatrais, musicais e até mesmo de stand up, trouxe movimento para as ruas curitibanas no último sábado (01). Nesse ano, o festival teve uma maior participação de grupos não só relacionados com o teatro em si, mas com a dança e a música. A orquestra ENSAX é a prova viva disso. O grupo, que teve sua última participação no festival em 2018, com apresentações relacionadas ao teatro, neste ano apresentou o espetáculo  “Do Iguaçu ao Pajeú”, de forma voltada somente para a música. Diferente de 2018, o grupo propôs uma viagem pelo Brasil por meio da música de grandes compositores brasileiros, indo de Tom Jobim até Luiz Gonzaga. 

Parte da Orquestra “Do Iguaçu ao Pajeú” da banda ENSAX, no último sábado (01) no Fringe

O produtor musical do grupo, Paulo de Campos Lima, acredita que o festival amadureceu em relação aos últimos anos, principalmente devido à maior abertura para os grupos de música. Mesmo receoso, ele conta que está animado com a mudança. “A gente até se sente um pouco intruso, mas assim, a gente quer tocar do mesmo jeito”. A orquestra do ENSAX teve sua apresentação aberta ao público de forma gratuita no último final de semana (01 e 02), nas Ruínas de São Francisco, Centro da cidade. Trazer a orquestra para a rua proporcionou que pessoas que passavam por perto se interessassem pelo show e parassem para apreciar o evento, relatou o artista. 

A vitrine para arte independente

Um fato curioso e pouco conhecido é que, em sua origem, a palavra Fringe vem de borda, ou seja, a zona que tem ao redor. A história mais aceita de como se iniciou o festival conta que em Edimburgo, no Reino Unido, há muito tempo atrás, existia um grande evento patrocinado pelo governo relacionado à arte. Nesse evento acontecia a montagem de diversas peças de teatro com atores renomados, mas que, um dia durante, o período de exibição, pessoas na rua fizeram seus próprios espetáculos, o que gerou certa repercussão. Pronto, aí tinha nascido o esboço do que seria o festival. Em Curitiba ele começa a ser exibido em 1992, graças a essa ideia de democratização da arte e do espaço, o que permitiu com que vários atores independentes de rua pudessem divulgar seu trabalho. 

A gente estar aqui num local público, e ter arte para ser consumida assim, é incrível. É necessário”

Débora Cristina de Oliveira, espectadora da peça “Vidas Seca na Rua”

A quebra da quarta parede

Como de costume, ao se pensar em peças de teatro logo surge a cabeça a ideia de um palco que separa a plateia dos artistas. Mas não é isso que a peça  “Um Fragmento” da Cia Teatral Pathos entrega ao público. Com uma dinâmica intimista e direta, ela retoma assuntos como a perda, a falta e o tempo a partir de encenações que chamam a participação da audiência que passa pela rua. Elton Meduna, autor da peça, diz que o legal de apresentar na rua é o fato de ser um público espontâneo, que muitas vezes não sabe que está ocorrendo um festival de teatro na cidade, e vê ali uma oportunidade de apreciar a arte. Para ele, é isso que o Fringe proporciona, o livre acesso à cultura. A última apresentação da Cia ocorreu no sábado (01), em frente ao bondinho da Rua XV.

“ Quando você está na rua, você pega aquele público que talvez nunca tenha ido ao teatro”

Elton Meduna, da Cia Pathos

Peças iguais da Cia Pathos são a mais pura forma do Fringe — a da democratização da arte. Ao usar a rua e espaços públicos como uma “vitrine”, o artista consegue divulgar seu trabalho a fim de incentivos. A composição das atrações do Festival de Curitiba é de grande parte por artistas independentes, que são selecionados por meio de uma curadoria. Porém, vale ressaltar que para que o festival ocorra, todas as despesas necessárias para a realização das apresentações são bancadas pelos próprios integrantes, somente os gastos com o evento propriamente dito — ou seja, divulgação, como cartazes e cobertura midiática — é que são desembolsados pelos patrocinadores.

Outro espetáculo gratuito que ocorreu no último final de semana foi o “Travessias – De Rosa a Cândido”, apresentado pelo Grupo Flor de Chita em frente ao Bebedouro do Largo da Ordem. A temática era bem simples, uma trupe de artistas mambembes — grupo de teatro que busca uma interpretação brasileira —  vai deixando por onde passa as histórias e canções vividas em sua travessia no recanto de Minas Gerais. Por meio de um show cativante, cômico e lúdico, ele atrai diversas crianças para o espaço. O grupo Flor de Chita que trabalha com a cultura popular brasileira, possui um vasto repertório no universo de Guimarães Rosa, que de início não é algo para crianças, mas que com maestria eles fazem as obras acessíveis para todos os tipos de público.

“A gente acredita muito que arte, teatro, música, literatura, estando ali em contato com as crianças, vai transformar a realidade do nosso país, porque vai ter muito mais gente querendo fazer e movimentar esse tipo de trabalho”

Grupo Flor de Chita

Democratizar a cultura vai além de somente torná- la acessível para o bolso, mas de  desmistificar saberes que muitas vezes não estão presentes no dia a dia do povo brasileiro. Vidas Secas na Rua, uma releitura da obra de Graciliano Ramos, é uma peça que leva um conhecimento que não é comum para a população, de uma forma leve e descontraída. Feito pela Cia Clichê Multiartes, a peça traz uma adaptação teatral de “Vidas Secas” de uma maneira mais lúdica e palatável para o público, mas que ainda aborda temas presentes nos dias de hoje. Tal proposta foi pensada por Nallu Nichele, produtora do espetáculo “Vidas Secas de Rua”, que também é professora. 

Para artistas independentes, o festival é de grande ajuda na divulgação da sua arte. De maneira análoga à passagem do chapéu pela plateia na busca de um incentivo financeiro, algumas Cia e artistas hoje pedem a colaboração do público por meio do Pix — sistema de pagamento virtual. Isso tudo para que a arte de rua e o teatro não morram. Então vale a máxima: pague o quanto você acha que “vale” o show. Essa é a essência do Festival de Curitiba, a sua democracia. 

Versão de “Nada será como antes” de Milton Nascimento por orquestra Ensax

“O teatro de rua é a resposta para a democratização da arte, porque não tem distinção no público. O carrinheiro pode vir assistir, qualquer um pode vir”

Cia Clichê Multiartes
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