qui 18 abr 2024
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Refugiados e migrantes encontram recomeço em universidades de Curitiba

Iniciativas na UFPR e na PUC-PR possibilitam ingresso na graduação, cursos de língua portuguesa e atividades de costura

A pandemia, assim como as políticas migratórias restritivas e, por vezes, compulsórias, adotadas por diversos países, impediu um possível recomeço de milhares de migrantes e refugiados que anseiam por viver em um país sem tantas catástrofes ambientais, com mais oportunidades de emprego e onde os direitos humanos básicos são garantidos, como saúde pública, segurança, moradia e, claro, educação. O governo brasileiro foi um dos muitos que restringiram ou dificultaram a entrada de migrantes e a concessão de vistos. Segundo relatório da Organização Internacional de Migrações (OIM), até o último mês de setembro,1.803 migrantes venezuelanos se encontravam desabrigados em Boa Vista (RR).

A governança migratória no Brasil está em xeque e responde mal a esses desafios. Por exemplo, não há um processo legal na concessão de vistos, o que envolve o Ministério das Relações Exteriores. Não há, por parte do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, modelos de flexibilização de exigências e de melhoramento do atendimento, hoje é praticamente impossível agendar um atendimento para requerer autorização de residência“, diz o defensor público e coordenador do Grupo de Trabalho Nacional para Migrações, Apatridia e Refúgio na Defensoria Pública da União, João Freitas de Castro Chaves.

Entretanto, este é um contexto que chega ser considerado um antônimo da realidade pré-pandêmica. De acordo com o Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas (órgão vinculado à Secretaria da Justiça), durante os cinco primeiros meses de 2019, o Brasil realizou mais de1,2 mil atendimentos para cidadãos de mais de 30 nacionalidades. Dentre o público acolhido, 49% haviam concluído o ensino médio.

A elevação no número de imigrantes de faixa etária entre 20 e 30 anos com o ensino básico completo provocou (na época) universidades de todo o estado, especialmente em Curitiba, a investirem ainda mais em projetos que auxiliam migrantes e refugiados a continuarem ou iniciarem a graduação. Além da produção acadêmica e cultural, essas iniciativas se refletem na atuação dos profissionais em diversas áreas, vindos de instituições públicas e particulares.

Conheça abaixo dois dos projetos universitários curitibanos mais engajados nas causas migratórias.

Universidade pública: nossa língua não é propriedade privada

Em 2013, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) fundou o programa Política Migratória e Universidade Brasileira (Pmub). O projeto desenvolve pesquisas sobre migrações, fornece assessoria jurídico-administrativa e promove aulas gratuitas de português para aqueles que não dominam a língua nacional, além de cursos de informática e história do Brasil.

O Pmub se originou a partir da procura de organizações haitianas ao curso de Letras da UFPR, em busca de aprender a língua portuguesa. Esta demanda resultou no projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária, em que alunos de Letras são responsáveis por planejar e ministrar as aulas todos os sábados à tarde para migrantes e refugiados de várias nações. A professora de Direito Internacional Privado do curso de Direito da UFPR, Tatyana Scheila Friedrich, que coordena o Pmub, conta sobre a forma de ensino adotada:

“A metodologia usada é muita própria para esse público, permite que o aprendizado da língua seja o mais facilitador possível”

Tatyana também coordena a cátedra Sérgio Vieira de Mello na UFPR. (Foto: Daniel Tozzi)

Segundo Tatyana, a criação do programa só foi possível a partir da fundação da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, promovendo ações sobre o refúgio em instituições públicas e privadas de ensino superior. A Cátedra é uma iniciativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) há 15 anos e atualmente conta com 22 universidades parceiras.

O Pmub já atendeu cerca de 5 mil migrantes e refugiados, entre eles, a arquiteta Lucia Loxca, de 31 anos.

Lucia deixou a Síria com a família em 2013, fugindo das constantes guerras do país. Lá cursava arquitetura e foi obrigada a interromper o curso quando teve sua faculdade bombardeada. Em Curitiba, seu único desejo era continuar a graduação, mas as oportunidades pareciam escassas. Foi no bloco de arquitetura da UFPR que suas expectativas voltaram a crescer:

“Sorte minha! Um dia minha irmã e eu estávamos conhecendo a cidade e entramos no bloco de arquitetura da Federal. encontramos o coordenador do curso. Eu contei minha história, ele se interessou e começou a procurar meios para que eu pudesse estudar na UFPR”

Lucia Loxca, estudante de Arquitetura
Lucia se tornou a primeira refugiada síria a ingressar na UFPR, sendo a segunda migrante formada no Brasil, em 2017. Ela enfatiza a importância da persistência para alcançar objetivos.
Lucia foi a primeira refugiada síria a ingressar na UFPR e a segunda a se formar no país. (Foto: Grupo MARIOS/Divulgação).

A recém-arquiteta acredita que há muito mais a ser feito pelos migrantes e refugiados que chegam ao país. No seu trabalho de conclusão de curso ela projetou um centro de acolhimento para refugiados:

“O centro deve receber estes refugiados, dar apoio e acolhimento, até que eles se integrem mais com a sociedade. No início sempre é muito difícil para a pessoa estrangeira começar uma nova vida em um país diferente de cultura e de tudo”


Universidade particular: “Acolher, promover, proteger e integrar”

Outra instituição de ensino paranaense que mantém um projeto dedicado unicamente a migrantes e refugiados é a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O programa responsável por atuar com este público é o Lampedusa, lançado pela Diretoria de Identidade Institucional em 2016 e organizado pelo Observatório de Educação para a Solidariedade. O programa surgiu após um pronunciamento do Papa Francisco:

A igreja precisa olhar para os migrantes, não só como um fenômeno, mas como pessoas e, nesse sentido, procurar acolher, promover, proteger e integrar esta população”.

A fala do pontífice aconteceu durante a homilia na ilha de Lampedusa, no Mar Mediterrâneo, em 2013 — local e época em que houve o naufrágio que deixou dezenas de migrantes mortos. Essa afirmativa se tornou o lema do programa, que recebeu o nome da ilha.

De acordo com Simone Tavares Zucchi, responsável pelo programa Lampedusa e pesquisadora do Observatório de Educação para a Solidariedade da PUCPR, as ações do projeto aconteciam desde 2014 por meio do Núcleo de Direitos Humanos. Hoje as atividades organizadas pelo Lampedusa são desenvolvidas em parceria com os cursos da Universidade e compreendem aulas de língua portuguesa, corte e costura e informática básica, ministradas pelos próprios alunos de cada curso.

No curso de língua portuguesa, os estudantes da academia de letras são os responsáveis por ministrar as aulas. Alguns cumprindo carga-horária de estágio, outros como voluntários. O curso de corte e costura é dado por estudantes de design de moda, enquanto que as aulas de informática são aplicadas por estudantes da Escola Politécnica“, explica Simone.

Uma das alunas da primeira turma de corte e costura foi a venezuelanaRossana Alejandra Mirabal Mora, de 28 anos:

“Cheguei ao Brasil em 2017. Na Venezuela, eu ainda trabalhava na área em que me formei — a arquitetura. Vim direto para Curitiba. Ultrapassei a fronteira de ônibus, fiquei dois dias em Boa vista (Roraima) para então pegar um voo para Curitiba. Minha irmã já morava aqui há vários meses, mas só me adaptei bem à cidade depois de um ano. As pessoas vêm sendo muito receptivas, de um jeito que eu não esperava”

Rossana Alejandra Mirabal Mora, participante do projeto Lampedusa

No curso, Rossana pôde aprender muitas técnicas e se deparou com atividades que nunca pensou que fosse capaz de realizar. A costura, para ela, é vista como uma possível fonte de renda, já que o processo de revalidação do diploma é burocrático.

A verdade é que este é um processo caro, longo, e às vezes não muito objetivo”, aponta.

Para a advogada Karina Quintalinha, curadora do Fórum Internacional Fontié Ki Kwaze — Fronteiras Cruzadas e editora do blog Somos Migrantes, a importância de projetos como estes, que viabilizam a multiplicidade dentro da sala de aula, se encontram em uma única palavra: diversidade.

Iniciativas assim são uma oportunidade de acompanhar de perto pensamentos, culturas e contextos diversos que anteriormente só conhecíamos em histórias

Karina Quintalinha, editora do blog Somos Migrantes

Serviço

No contexto pandêmico, boa parte das ações de ambos os projetos ocorreu em modo remoto. A sede do Pmub e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello está localizada no Prédio Histórico da UFPR, sala 28, térreo. O contato pode ser feito pelo e-mail projetohospitalidadeufpr@gmail.com ou telefone (41) 3310–2760. O atendimento acontece das 8h às 20h.

Informações sobre cursos (corte e costura, português e informática) ou demais atividades para migrantes e refugiados do programa Lampedusa, da PUCPR, podem ser consultadas pelo telefone (41) 3271–1546.

Jéssica Blaine
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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