Cercados por lendas e misticismos, os ciganos tiveram um papel importante na colonização do Brasil que não está nos livros didáticos de história. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a estimativa é que existam entre 800 mil e 1.2 milhão de herdeiros da cultura no país. Entre os costumes difundidos por esse povo na América do Sul, o mais famoso é a dança cigana, que ganha cada vez mais adeptos. Profundamente influenciada por uma atmosfera de magia e religião, essa modalidade já tem espaço nas academias e agendas culturais curitibanas.
Com fortes traços da dança flamenca, a dança cigana chegou ao Brasil em meados da década de 80, quando a chamada moda gitana – o estilo cigano de se vestir – virou febre em toda a América Latina. Apesar de ter aterrissado em solo brasileiro há cerca de 30 anos, a modalidade ainda é oferecida em poucas academias e estúdios de dança em Curitiba: apenas 10 escolas oferecem o curso na capital paranaense.
A coreógrafa de danças árabes Zoriani Cris Alves é professora da turma de iniciantes em uma dessas instituições. Alves explica que o principal diferencial da dança cigana em relação a outras modalidades é o comprometimento com a cultura do povo, já que, para dançar, não basta aprender a coreografia. Segundo ela, é preciso conhecer, entender e se comprometer com o modo de vida. “Uma das primeiras orientações que damos é que o aluno não pode mostrar as pernas ou o abdômen, em sinal de respeito a uma cultura que não lhe pertence”, conta Zoriani. As escolas costumam disponibilizar saias compridas e coloridas para novas alunas nas primeiras aulas, para garantir que o costume cigano de cobrir totalmente os membros inferiores seja respeitado.
“O céu é o meu teto, a terra é minha Pátria e a liberdade é minha religião”. O mais forte lema cigano explica essa relação entre dança e respeito. A liberdade dos movimentos do corpo, para eles, está intimamente ligada com o despertar da Deusa Interior, uma representação espiritual da psique humana que pode ser encarada como o equivalente ao conceito de alma. Na cultura cigana, o corpo não se separa do sagrado, e a dança é a expressão máxima do que há de mais puro no interior do ser humano.
A técnica e o sentimento
A relação entre o sentir e o dançar é explícita para a avaliadora de fragrâncias Paula Lazzaro, que frequenta aulas de dança há alguns anos. Após cinco meses parada devido a uma mudança de cidade, ela explica que não é fácil retomar a rotina. “Estou vendo os movimentos e ouvindo a música. O problema é que ainda não estou conseguindo sentir aqui” explica, enquanto indica o próprio pulso. Não se sabe ao certo quando a dança cigana foi criada, mas os primeiros focos do estilo, localizados na Índia, Egito, Turquia e Grécia, já apresentavam a dicotomia entre físico e emocional. Com influência de modalidades diversas como flamenco, salsa, rumba e dança do ventre, o objetivo principal dos movimentos é passar diversas emoções ao espectador.
Bem demarcados pela sensualidade típica das danças orientais, os passos envolvem o quadril e as mãos, além de acessórios, como a xale, o pandeiro, as fitas e a echarpe. “Usamos sempre peças de cores como o dourado, o vermelho e o laranja justamente para acentuar essa ideia do sentimento”, explica Zoriani. No palco, as dançarinas são orientadas para que não se limitem a seguir a música, mas extravasem tudo o que estão sentindo no momento – inclusive emoções consideradas negativas, como tristeza e raiva. É a modalidade do autoconhecimento.
Apesar de ainda ser desconhecida do grande público, a dança cigana vem alcançando grandes conquistas no cenário curitibano. Na última semana de novembro, a escola em que Zoriani trabalha deverá organizar uma apresentação da modalidade no Teatro Positivo. Paula Lazzaro, entusiasta da modalidade, comemora. “Dançar faz muito bem ao corpo e a mente, mas a dança cigana é diferente das outras. Todos deviam experimentar esse sentimento especial.”, completa.