A capital paranaense reuniu mais de 11 mil pessoas em mobilização pela legalização da maconha e pelos direitos do usuário no dia 29 de setembro. Com 18 anos em Curitiba, nesta edição a marcha teve como lema “Não é só pela maconha”, destacando a desigualdade sistêmica encarada pela população negra e periférica em relação à política antidrogas brasileira.
A Marcha da Maconha de 2024 aponta para as diferenças de tratamento de variados grupos sociais quando enfrentam a ilegalidade da cannabis. Um exemplo das desigualdades é que 68% das condenações relacionadas às drogas são contra pessoas negras, de acordo com a advogada Alessandra Nogueira Lucio em sua pesquisa de mestrado pela USP. Isso é alarmante, tendo em vista que, de acordo com o IBGE, só 55,5% da população brasileira é parda ou preta.
Neste ano, a marcha trouxe à tona que o tratamento da guerra às drogas não é igualitário, e sim uma máquina cíclica que alimenta o cárcere de populações marginalizadas. Segundo o deputado estadual do Paraná Renato Freitas, “a ilegalidade nunca parou o consumo, nunca diminuiu a violência do tráfico”. Com um megafone em mãos logo no início da marcha, Freitas afirmou: “Se eles são os sóbrios, eu prefiro ser muito louco.”
Para Arthur Vilhena, 34 anos, jornalista freelancer e participante da manifestação, a lei é arcaica. “Não faz sentido. Não é só fumar, não é só ficar chapado. As pessoas não reconhecem que a maconha cria experiências únicas.”
“Se eles são os sóbrios, eu prefiro ser muito louco.”
Renato Freitas, Deputado Estadual
Participaram da marcha não só usuários da erva, mas também familiares e pessoas próximas aos consumidores, profissionais de diversas áreas médicas que promovem tratamentos com o uso da cannabis e do canabidiol, profissionais têxteis que estimulam a sustentabilidade na área com o uso do cânhamo — tecido feito à base da planta — entre outros agentes engajados com a luta pela legalização.
“Eu tenho tourette, me incomoda diariamente. Com a legalização eu teria muito mais facilidade em usar a [maconha] medicinal para diminuir os sintomas”, contou uma estudante e manifestante, 18 anos, que deseja não ser identificada. “Meus pais são contra justamente por causa do estigma. Com a legalização seria mais [normalizado].”
De acordo com o informe técnico divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Programa de Evidências para Políticas e Tecnologias de Saúde (Pepts), a cannabis pode ajudar em variados transtornos mentais, entre eles transtorno bipolar, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e outros. “Além dos benefícios à saúde, eu também apoio o uso recreativo”, afirmou Leonardo Henrique, 26 anos, participante da marcha.
O CENÁRIO ATUAL
Desta vez a marcha foi diferente, tendo em vista a descriminalização do porte de até 40g de maconha em junho deste ano. Em emenda à Lei Nº 11.343 que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), consta no informativo de jurisprudência número 823 do STJ sobre a lei: “Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa.”
A marcha contou também com pautas externas à luta pela legalização, como a de direitos das mulheres e dos pertencentes à comunidade LGBTQIAP+. Em panfletos e em páginas virtuais, a marcha afirma que acolhe todos que são simpáticos à causa da legalização.
“Esse ano a marcha cresceu. Conseguimos relacionar com várias outras pautas”, disse Carol Casé, 28 anos, representante da Rede Marias Joanas, grupo ligado à Marcha feito de mulheres, pessoas não binárias e intersex atreladas à causa. “Depois da decisão do STF não somos mais criminosos”, afirmou Mariana German, 34 anos, também da organização.
“Fomos nós os injustiçados.”
Mariana German, Representante da Rede Marias Joanas
“A lei dava argumentos para a polícia para nos tratar de forma mais violenta, levar pessoas para a delegacia. Agora com a mudança da lei acontece uma revisão histórica, as pessoas sabem que fomos nós os injustiçados”, relatou German.
A caminhada contou com a ajuda de policiais este ano, que fecharam as ruas que atravessavam o evento. Para Carol Casé e Mariana German isso foi uma surpresa; esperavam que o papel dos policiais seria mais antagonista.
A CULTURA
O evento atua como um núcleo cultural periférico, contando com batalhas de rima e baterias durante a concentração pré-marcha. O grupo Batucannabis, em especial, foi destaque em todas as edições da marcha.
Como esta edição provavelmente não é a que mudará a legislação nacional em torno da cannabis, os participantes podem esperar a 19ª Marcha da Maconha em 2025. “Espero que a marcha cresça, que a do ano que vem seja maior que a desse ano. Também espero que o estigma seja quebrado e a pauta seja popularizada”, finalizou Carol Casé.
FICHA TÉCNICA
Reportagem: João Marcelo Simões
Edição: Matheus Neme
Orientação: Cândida de Oliveira