
Se antes da pandemia de Covid-19 era inusitado encontrar conveniências e mercados dentro de espaços residenciais, especialmente em condomínios, esse cenário tem se revertido nas cidades brasileiras. Algumas mudanças no comportamento do consumidor, como a necessidade de isolamento social e a busca por serviços cada vez mais rápidos, contribuíram para que um novo modelo econômico entrasse em ascensão: o pequeno varejo, popularmente conhecido como “varejo de proximidade”.
De acordo com a empresa de dados Kantar, entre 2019 e 2021, o pequeno varejo representou mais de 23% dos gastos totais no orçamento das famílias no Brasil, além de atrair 7,6 milhões de novos compradores. Essa tendência, que se espalhou por diversos segmentos do mercado, pode ser vista de maneira mais contundente no campo supermercadista, com o surgimento dos chamados “mercados autônomos”.
Mercados autônomos geralmente são instalados em um espaço pequeno (entre 5m² e 30m²) e funcionam 24 horas por dia. Marcados pela confiança nos consumidores, os comércios apresentam ausência parcial ou completa de funcionários – característica que explica o uso da palavra “honesto” como definição desse modelo de negócio.
“O varejo está ligado à ideia de conveniência, de trabalhar facilidades ao consumidor. E esses mercados pequenos geram uma conveniência para quem está dentro dessas estruturas, principalmente pela questão de rápido tempo e acesso”.
Paulo Machado, professor
Para ilustrar como o comportamento do consumidor impulsionou o crescimento do setor, um estudo divulgado pela Allis Field Marketing mostrou que, em 2021, o percentual de brasileiros que buscavam por mercados localizados próximos de suas residências teve alta de 20%, enquanto os minimercados registraram aumento quase simultâneo de 21% em seu faturamento.
“O varejo está ligado à ideia de conveniência, de trabalhar facilidades ao consumidor. E esses mercados pequenos geram uma conveniência para quem está dentro dessas estruturas, principalmente pela questão de rápido tempo e acesso”, explica o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em varejo de serviços, Paulo Machado.
Apesar de ter surgido na pandemia, a tendência continua presente no cenário econômico atual. Em levantamentos realizados pela Associação Paulista de Supermercados (APAS), o país contava, até o fim de 2024, com aproximadamente 10 mil mercados autônomos, um crescimento de 53,5% em comparação com 2023. Em contrapartida, os tradicionais super e hipermercados tiveram baixa de 10,1% no mesmo período comparativo.
Apesar de não haver números precisos sobre a quantidade de mercadinhos honestos em Curitiba e Região Metropolitana, alguns pontos urbanos estão mais suscetíveis a expansão desse modelo econômico devido a concentração de prédios residenciais ocupados. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através do Censo 2022, mostram que 39% dos curitibanos moram em domicílios como condomínios e apartamentos. Ao entorno da capital, quatro cidades da região metropolitana se destacam: São José dos Pinhais (25%), Pinhais (17%), Araucária (16%) e Colombo (13%).

Para a agente de saúde Aline Batista, ter um mercado a poucos passos de distância é sinônimo de praticidade, principalmente nos momentos de urgência. Aline mora num condomínio em Araucária, e relata que “se está faltando algo em casa a gente vai ali [no mercado autônomo] e compra, é bem mais fácil e cômodo. Não tem atendente, é só passar no leitor e pagar com dinheiro ou no cartão. Único ponto negativo é que geralmente o valor é mais elevado comparado com o supermercado comum.”
Os pontos positivos e as oportunidades de negócio
No entanto, assim como em outros segmentos, o pequeno varejo ainda tem aspectos que podem ser oportunidades para futuras melhorias. No campo dos mercadinhos de condomínio e das pequenas conveniências, o preço e a variedade são pontos que especialistas e os próprios moradores que têm acesso ao serviço destacam.
O superintendente da Associação Paranaense de Supermercados (APAS), Mauricio Bendixen, enfatiza que cada compra tem o seu momento e, consequentemente, isso influencia no formato mercadista que o consumidor vai preferir. “Em compras mais pesadas, com alimentos como café, óleo de soja, farinha de trigo, o consumidor provavelmente vai procurar o formato de atacarejo. Mas quando é aquela compra do tipo ‘eu mereço’ ou a ‘compra do fim de semana’, o mercado do condomínio se torna uma opção viável.”, explica Bendixen.
Os prós dos mercadinhos honestos se concentram na proximidade, praticidade e auxílio do consumidor em situações emergenciais. Por outro lado, o valor é mais alto, a variedade é baixa comparada às redes grandes do setor e, na maioria dos casos, se deve ter um cadastro prévio em aplicativos para acessar o espaço – fator que se torna uma dificuldade para pessoas que tenham baixa exposição ao uso da tecnologia e plataformas digitais, por exemplo.
Market4u: a expansão é nacional, mas o pioneirismo é paranaense
Criada em 2020, a startup curitibana Market4u é considerada uma das empresas pioneiras no segmento dos mercados em condomínios. Atualmente, na modalidade residencial, são mais de 2 mil unidades espalhadas por 20 estados brasileiros. Head de planejamento da Market4u, Murilo Araújo conta que o principal desafio dos mercados autônomos está na pluralidade dos clientes, visto que “cada condomínio é uma dinâmica diferente, com moradores que possuem rendas distintas e momentos de consumos diversificados.”
Ainda, olhando para perspectivas futuras, mesmo que o faturamento da empresa venha em grande parte do atendimento a condomínios, a startup registrou recorde em instalações nos prédios corporativos no último ano – alcançando a marca de 230 unidades. Esse movimento demonstra que, mesmo com o enfoque em apartamentos residenciais, o modelo econômico dos “mercadinhos honestos” veio para ficar e que eles estão buscando novos espaços para fazer morada.



