Precarização do trabalho afeta entregadores e amplia dificuldades socioeconômicas  

Com mais de 450 mil entregadores por aplicativo no Brasil, a categoria cresce rapidamente, mas segue sem garantias trabalhistas

13
Uma pesquisa da plataforma Opinion Box de 2023 revelou que o iFood é o aplicativo de delivery mais utilizado pelas pessoas. (Foto: Amábili Gomes)

O crescimento acelerado do número de motoristas por aplicativo, impulsionado principalmente pelo aumento da demanda por delivery pós pandemia, mostra não apenas a importância desses profissionais para a dinâmica urbana, mas também a falta de garantias trabalhistas e as condições precárias em que atuam. 

Segundo a pesquisa “Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos”, de 2024, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), o número de entregadores por aplicativo cresceu 18% entre 2022 e 2024, passando de 385.742 para 455.621 trabalhadores. Dentre eles, a maioria é de homens autodeclarados pardos. 

Gráfico sobre o perfil dos entregadores no Brasil. (Infográfico: Amábili Gomes)  

O estudo também revela que, à medida que a profissão se expande, também se agrava a precarização dessa categoria. Entre as principais consequências estão os riscos de acidentes de trânsito, a exposição aos efeitos das mudanças climáticas, a insegurança alimentar, problemas de saúde física e mental e a ausência de vínculo empregatício, como explica o professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná, Sidnei Machado, coordenador do projeto “Clínica de Direito do Trabalho” da UFPR e advogado. 

CLT ou autonomia?

Os entregadores podem atuar tanto em aplicativos, como iFood, 99Food, Uber Eats e Zé Delivery, quanto de forma independente, em lojas fixas, sem o uso de plataformas digitais. Embora a autonomia ofereça algumas vantagens, como a flexibilização da jornada de trabalho, diferente do regime CLT em que há carga horária estabelecida, ela também deixa os trabalhadores sem garantias básicas como férias, FGTS, 13º salário e seguro-desemprego.  

Sem vínculo empregatício, entregadores vivem em constante instabilidade, já que a renda depende do número de entregas. Quem atua como entregador fixo — a maioria sem contrato CLT — atende estabelecimentos em horários definidos, recebem por rotas e têm pagamentos diários ou semanais. Já os que atuam apenas por aplicativos não contam com essa previsibilidade.  

Andy Silva, de 28 anos, é entregador em Curitiba e já passou meses trabalhando apenas por aplicativo e hoje atua como fixo em alguns estabelecimentos — embora não em contrato CLT —, mas recorre às plataformas quando precisa complementar a renda. “Eu prefiro trabalhar em emprego fixo pela estabilidade que oferece, porque é um ganho certo. Já trabalhei três meses só com aplicativo. Às vezes estava saindo entrega uma atrás da outra, e no dia seguinte não tocava nada. No fixo, o bom é que tem estabilidade e também um ganho garantido”, conta. Mesmo assim, destaca que a precariedade permanece em ambos os formatos. 

Andy Silva, 28, motoboy em Curitiba. (Foto: Amábili Gomes) 

Um dos principais riscos enfrentados pelos motoboys são os acidentes de trânsito. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que, entre 2011 e 2020, acidentes de moto corresponderam por 21,2% das mortes em ambiente de trabalho, 3.296 dos 15.511 casos registrados no período. Além de poderem ser fatais, esses acidentes comprometem o trabalho do entregador, que, ao se machucar, fica afastado por um período. 

Nesse cenário de riscos, também se evidencia o cansaço mental, causado pela rotina exaustiva. “No meu caso, a pressão e o esgotamento são muito grandes, e para isso refletir no trânsito é perigoso”, relata Andy sobre o estresse causado pelo trabalho. Essa sobrecarga constante pode comprometer a atenção e a segurança, aumentando o risco de acidentes e prejudicando o desempenho nas entregas. Além de afetar a qualidade de vida e a saúde física e emocional dos motoboys. 

Da mesma forma, a rotina intensa impacta na alimentação, expondo os motoboys à insegurança alimentar, marcada pela falta de alimentos saudáveis e em quantidade suficiente. Andy conta que muitas vezes passa horas sem comer e, quando consegue, recorre a produtos industrializados. “Levo minha marmita, mas tem dia que não dá tempo de comer. Acabo comendo um chocolate ou um salgado na rua, e isso já é insegurança alimentar”, explica. 

As dificuldades se agravam ainda mais ao considerar que os trabalhadores têm pouca proteção e suporte legal. Segundo o advogado trabalhista Rômulo Ferreira da Silva, “No Direito do Trabalho, é necessário ter uma relação empregatícia, de empregador, empregado e subordinação. Como os aplicativos não têm vínculo empregatício, eles [entregadores] dificilmente poderão recorrer à Justiça do Trabalho, porque não conseguem comprovar subordinação ao empregador, que é a própria plataforma”. 

Os novos desafios  

A intensificação das mudanças climáticas tem prejudicado diversos trabalhadores, principalmente aqueles que atuam diretamente expostos a eventos climáticos, como os que trabalham com delivery. “Hoje, os entregadores enfrentam impactos ambientais, como o aquecimento climático e problemas de saúde causados pelo sol e pela chuva”, alerta Sidnei Machado.  

Andy confirma esse problema, relatando que, em Curitiba, a questão é ainda mais perceptível devido ao clima instável da cidade, com frio intenso e períodos de fortes chuvas. “Trabalhar na rua é bem pesado. Quando chove muito, a produtividade cai, porque você não pode andar tão rápido, precisa ter mais cautela, cuidado e atenção. Se a demanda está alta em um dia chuvoso, você não pode se arriscar. Então, o ambiente e o clima atrapalham bastante o motoboy”, afirma. 

O advogado também comenta sobre o controle que as plataformas exercem sobre os entregadores que trabalham por aplicativo. Com o aumento da tecnologia e o uso frequente da Inteligência Artificial, o monitoramento se intensifica. Segundo Machado, essa fiscalização é feita por geolocalização, permitindo que as plataformas saibam onde os trabalhadores estão, quanto tempo levam para se deslocar e quantas entregas realizam. A vigilância é ilimitada e constantemente ajustada, com novos métodos de controle e metas definidas pelos algoritmos, o que permite às empresas intensificar cada vez mais o monitoramento dos trabalhadores. 

Reivindicações por parte dos entregadores 

Em abril deste ano, o movimento de luta por direitos dos entregadores por aplicativo, o “Breque dos Apps”, paralisou 18 capitais brasileiras. Em Curitiba, a mobilização ocorreu em frente ao Shopping Mueller e à Praça Santos Andrade, reunindo trabalhadores em greve. Sobre o assunto, Andy concorda: “Eles estão certos em cobrar. Não trabalho com aplicativo todo dia, mas já fiz e ainda faço Uber às vezes. Então, se eles buscam melhorias, é porque a situação está ruim.” 

Entre os principais pedidos dos entregadores, estavam o reajuste da corrida mínima para R$10, o aumento do valor por quilômetro rodado para R$2,50 e o pagamento integral dos pedidos. Por outro lado, segundo apuração do UOL, o iFood informou que novos valores estão em estudo e que segue ouvindo os entregadores, mas ainda não há prazo definido para um reajuste de taxas para 2025.  

Mesmo sendo uma profissão que movimenta a economia e sustenta a dinâmica das entregas no Brasil, esses trabalhadores seguem enfrentando a falta de direitos básicos. Para Sidnei Machado, “a demanda urgente é para uma lei no Brasil que diga que os trabalhadores de plataforma são trabalhadores empregados como os demais, do comércio e da indústria, e, portanto, as empresas têm que reconhecê-los como empregados para os direitos trabalhistas”.