
Quase metade das infrações ambientais registradas no Brasil nos últimos seis anos é cometida por infratores reincidentes. De acordo com dados do Ibama compilados pelo Jornal Comunicação, 23% dos autuados responderam por mais de um auto de infração entre 2020 e outubro de 2025, somando 47% de todas as ocorrências.
No mesmo período, um grupo ainda mais restrito — apenas 262 pessoas físicas ou jurídicas, que representam menos de 1% dos autuados — foi responsável por 7% de todas as infrações. Especialistas apontam que a lentidão judicial e a dificuldade de fiscalização perpetuam a impunidade, concentrando danos ambientais nas mãos de poucos agentes.
A advogada Mara Souza explica que o sistema jurídico ambiental brasileiro, regido pela Lei 9.605/98 e regulamentado pelo Decreto 6.514/2008, prevê sanções administrativas e criminais. No entanto, ela ressalta que a responsabilidade civil pode ser objetiva em casos de dano ambiental, ou seja, não depende da intenção do infrator, mas sim do nexo causal com a atividade. “Por exemplo, há um acidente e escorre óleo para um córrego. (…) A empresa terá a responsabilidade objetiva de conter esse óleo”, exemplifica.
A lentidão do sistema judiciário é apontada como um dos principais entraves. Processos criminais por infrações ambientais podem levar anos para serem julgados em última instância, e muitas multas administrativas são questionadas judicialmente, paralisando a punição. Em 2023, 47% dos embargos aplicados pelo ICMBio por infrações na Amazônia sequer identificaram um responsável, configurando crimes ambientais anônimos que ficaram impunes.
Para Ana Clis Ferreira, campaigner de florestas do Greenpeace Brasil, o problema central é a efetividade da lei. Ela destaca a dificuldade operacional de fiscalizar um território continental e a carência de ações presenciais efetivas, para além dos embargos por satélite.
“A gente tem uma lei robusta, de qualidade (…), mas que infelizmente não tem uma aplicabilidade tão robusta quanto tem no papel”
Ana Clis Ferreira
Processos que buscam responsabilização criminal por crimes ambientais podem se arrastar por anos sem um julgamento definitivo, e multas administrativas frequentemente são judicializadas, paralisando sua execução.
O caso do empresário Evaldo Kowalsky, fundador de uma empresa de pesca, é um exemplo. Ele acumula 25 autuações e mais de R$ 38 milhões em multas aplicadas pelo Ibama nos últimos seis anos. Em três ocasiões, o Ministério Público Federal moveu ações para responsabilizá-lo criminalmente, mas nenhuma dessas ações foram julgadas em última instância até o momento.
A situação se agrava quando se observam grandes empresas. A Petrobras lidera, de longe, o ranking de autuações do Ibama, com 1.108 infrações a mais do que o citado empresário Kowalsky. A estatal, que atua em um setor de alto risco ambiental, tem uma dívida de aproximadamente R$ 800 milhões em multas com o órgão. Dados abertos indicam que apenas 42% das violações da empresa foram classificadas como não intencionais, sugerindo que a maioria decorreu de ações deliberadas.
Confira o Mini-documentário do Jornal Comunicação sobre o tema:
Nota da Redação: A equipe do Jornal Comunicação procurou Ibama, Petrobras e Pescados Kowalsky, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Produção Especial por Eduardo Perry, Gustavo Beckert, Luísa de Cássia, Vitor Benini e Vitória Panza


