Panaceia. Na mitologia grega, é o nome da deusa que personificava a cura universal, uma representação daquilo que pode curar todos os males. O termo sobreviveu aos séculos, não mais como uma divindade, mas como a metáfora para uma solução definitiva. Agora, o remédio para muitos problemas pode ser encontrado na ação de mulheres que fizeram do empreendedorismo sustentável uma oportunidade para ressignificar contextos e gerar impactos relevantes.
A promessa mítica dá nome a uma busca por soluções para um dos desafios mais complexos da atualidade: tornar os negócios mais conscientes e ecológicos. A Galeria Panaceia, localizada no bairro Ahú, em Curitiba (PR), é símbolo desta responsabilidade sustentável, um local voltado para a exposição de marcas e realização de eventos na mesma linha. Com arquitetura e paisagismo 100% ecológicos, o espaço por si só representa a integração de boas práticas e empreendedorismo.
A Galeria foi idealizada por Carol Gusi, ainda na pandemia de Covid-19, a partir de uma vontade de proporcionar um espaço físico referência em sustentabilidade. Advogada de formação, guiou seus trabalhos no direito sempre incorporando valores e ações que visam o consumo consciente e a preservação ambiental. Esta mentalidade a incentivou a dar início à execução de um negócio voltado aos seus princípios.
Carol se tornou parte de uma estatística inédita: de 30,4 milhões de donos de negócios no Brasil em 2024, 10,4 milhões são mulheres empreendedoras, um recorde histórico na série, de acordo com levantamento feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Este número representa um crescimento de cerca de 42% nos últimos 12 anos.
Para a elaboração do negócio, ela buscou o apoio de inúmeros parceiros que colaboraram na execução. O trabalho envolveu especialistas, que ajudaram na curadoria dos materiais e técnicas selecionadas para a construção e mantimento da Galeria. Além disso, contou com projetos de arquitetos e paisagistas, que aceitaram o desafio de elaborar espaços apenas com tecnologias e recursos naturais.
“Às vezes queremos tudo à nossa disposição, o tempo inteiro, mas temos que aprender com a natureza e com os processos, quais são as limitações e quais são as possibilidades”, relata. A ideia, portanto, foi demonstrar ao público como é possível agregar beleza e eficiência na arquitetura.
Impulso ao empreendedorismo
Mais do que o espaço em si, hoje a Galeria Panaceia também conta com uma loja que expõe diferentes marcas sustentáveis paranaenses. Com uma percepção de que lojas online enfrentavam dificuldade para mostrar seus produtos, Carol cultivou o objetivo de ajudar empreendedores a impulsionar seus produtos sustentáveis. “Eu tinha o desejo de criar um espaço dedicado à sustentabilidade em que pudéssemos promover encontros, produtos, e realmente tirar essas iniciativas do virtual e trazer mais próximas às pessoas”, conta.
Esta, segundo ela, é uma forma de ativar a curiosidade do público e convidá-lo a conhecer opções diferentes do convencional. “Aqui nós trazemos soluções, tudo que entra tem potencial de beneficiar ecologicamente. A gente vê que a sustentabilidade é para todo mundo, alguma coisa aqui vai chamar a sua atenção e vai fazer sentido na sua vida”, afirma. O que inicialmente era uma proposta para público de arquitetura e construção civil, se tornou um lugar para pessoas com os mais variados interesses.
A mudança de rota, para ela, foi natural. Resultado de um esforço contínuo de pesquisa e busca por informações, Carol explica que a Galeria Panaceia não era uma ideia fixa e foi construída na adaptação e constante aprendizado. “Para mim, não existe ensinamento maior do que empreender. Claro que não é para todos, nem todo mundo tem a oportunidade, mas no meu caso foi algo transformador. É um aprendizado muito prático e isso é muito legal”, destaca.
Perspectiva feminina
A experiência de Carol não é isolada. De acordo uma pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Sul do Brasil é a região do Brasil com maior porcentagem de empreendedorismo entre as mulheres, apresentando uma taxa de 12,4% em relação à população feminina em idade ativa.
Só no Paraná, do total de 1,69 milhões de empreendedores, as mulheres correspondem a cerca de 552 mil (32,7%), segundo um levantamento do 4° trimestre de 2024 feito pelo Sebrae/PR. Já na outra pesquisa, publicada em março de 2025, que estabeleceu o perfil desta camada feminina, os dados revelam que a maioria se divide entre serviços ou comércio, e que destas, grande parte criaram seus negócios do zero e usaram de recursos próprios.

O material aponta que o futuro do empreendedorismo feminino no Paraná se fortalece, mas ainda demanda mais incentivo e suporte financeiro, maior acesso a créditos, programas de apoio emocional e psicológico e capacitação em gestão para crescimento sustentável.
Apesar das dificuldades, os dados são claros: existe um avanço na economia liderada por mulheres. Carol ainda reitera que, dentro de sua atuação, se destaca o grande número de negócios e organizações preocupadas em deixar um legado positivo para o futuro. Em sua própria iniciativa, percebe a formação de uma rede de apoio feminina, em que as dificuldades são diversas, mas servem como rotas compartilhadas para apoio mútuo, principalmente sob o aspecto ambiental.
“Não é algo proposital, mas hoje quase todas as nossas marcas aqui dentro são criadas por mulheres. Vemos como tem muitas mulheres a frente dessa área de sustentabilidade e inovação. Eu vejo que a sustentabilidade está muito ligada ao autocuidado e bem-estar e esse público está um pouco mais atento a isso”, relata.
Trabalho que ecoa
De acordo com o levantamento “Empreendedorismo no Brasil”, realizado pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em 2024, a segunda motivação mais intensa entre as empreendedoras do país para iniciarem seus negócios é “Para fazer a diferença no mundo”, logo após “Para ganhar a vida porque os empregos são escassos”.
Maria Eunice de Oliveira é presidente da Associação de Moradores da Borda do Campo (Amarb) e entende bem essas motivações. O trabalho da associação começou com o propósito de reunir moradores dos bairros São Sebastião e Borda do Campo, em São José dos Pinhais (PR), na Região Metropolitana de Curitiba, para melhorar as condições de vida da comunidade. A iniciativa fez parte de uma estratégia da empresa Renault, que em 2015, realizou um mapeamento social da região para promover ações de inclusão. Os dados revelaram dois grupos que necessitavam de atenção: mulheres e crianças.
Assim nasceu a Amarb, como um sonho de trazer para perto as crianças da região e também capacitar mulheres com habilidades que possam gerar renda. A organização, que funciona através de trabalho voluntário, oferece cursos gratuitos para comunidade, que incluem costura, cozinha e até mesmo empreendedorismo. “Aqui ninguém paga nada pelos cursos. Temos empreendedoras, mulheres que abriram portas com coisas que aprenderam aqui. Temos um caso de uma mulher que paga faculdade, autoescola e sustenta a própria casa com o que aprendeu na Amarb”, conta Maria Eunice.
Em 2020, a multinacional decidiu fornecer o prédio sede da associação com uma condição: formar no mínimo 400 mulheres por ano. E assim tem acontecido. Em 2024, 572 alunos se formaram nos 57 cursos oferecidos pela Amarb e, até junho de 2025, outras 714 pessoas geraram renda ou conseguiram um emprego com o aprendizado adquirido na organização.
“A gente acredita em dignidade no trabalho. Em você aprender, fazer e receber”, diz Cristina Gonçalves, responsável pela mediação entre o Grupo Renault e a comunidade.
Entre as atividades oferecidas estão cursos de capacitação profissional, cursos e oficinas recreativas para crianças e adolescentes, ações de empoderamento feminino e palestras temáticas.
Para o grupo, o empreendedorismo passa a ser também uma fonte de renda digna para milhares de famílias, em que as habilidades passam a ser oportunidades de comércio e geração de sustento. Ainda segundo a pesquisa do Sebrae, mais da metade das mulheres donas de negócio (52,3%) são chefes de domicílios no país, um número que demonstra a relevância do setor para a manutenção do lar.
Os resultados dos esforços são perceptíveis. Reginalda Santos ouviu de amigas a respeito das aulas e hoje, parte da sua renda familiar vem do conserto de roupas, que aprendeu com a Amarb. “É um curso bom, que ajuda. Você começa por gostar do assunto, porque eu amo muito costura, e ele acaba te ajudando financeiramente. Foi o que aconteceu comigo”, conta a moradora.
Integração com a sustentabilidade
Maria Eunice conta que a Amarb se sustenta através da venda de produtos feitos pelas próprias mulheres durante as aulas, como pães, doces, bolsas e roupas. Dessa forma, a organização funciona como uma espécie de ciclo, em que o prédio é mantido pelos resultados obtidos nas aulas.
Além disso, a sustentabilidade é um pilar para as atividades da associação, em que muitos materiais utilizados nos cursos têm origem sustentável. Nas aulas de costura, por exemplo, a maioria dos tecidos são aproveitados das sobras da fábrica da Renault, localizada próxima à comunidade, também em São José dos Pinhais (PR). Os tecidos reciclados não têm custo, o que permite a continuidade dos cursos gratuitos.
“Nós prezamos também pela sustentabilidade. Todos os cursos que nós damos na Amarb pensamos em reaproveitar e reutilizar. Muita coisa vem da Renault e nós reaproveitamos. Às vezes recebemos o que já sobrou de uma primeira reciclagem”, explica Maria Barbosa, voluntária.
Nas mãos ágeis, os retalhos de tecido de carro se fazem arte e se transformam em jalecos, aventais e sacolas de pano cuidadosamente estudadas para aproveitar cada centímetro do material reciclado. A sustentabilidade vai além, então, de uma galeria interativa no centro da capital paranaense e representa também um sinônimo de oportunidade e dignidade para centenas de mulheres de uma comunidade da região metropolitana.
A semelhança, uma vontade de gerar negócios de impacto local, sob aspectos social e ambiental, que incentivam ideias de outras mulheres e estabelecem uma rede de apoio. Tal questão ultrapassa o empreendedorismo e demarca o propósito pessoal e coletivo de mulheres que produzem, seja para sustentar a casa, seja para gerar impacto na sociedade. No geral, o resultado é de ambos.
“Não é só o empreendedorismo, é o amor, é se sentir importante. É a mãe que consegue comprar um colchão para a filha, um leite. Vai além do empreendedorismo, essas mulheres vêm aqui para ter esse acolhimento, para aprender”, finaliza Cristina.
Créditos:
Texto: Alice Lima e Isadora Kovalczuk
Fotos: Giuliano Carbonari
Podcast: Alana Morzelli
Infográfico: Ana Clara Osinski






























