A agricultura familiar coloca comida na mesa de boa parte da população de Curitiba, no Paraná. De acordo com a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), entre 2022 e 2023, mais de 360 mil toneladas de alimento chegaram à capital através dos pequenos produtores.
Os números indicam apenas a produção cadastrada nas Centrais de Abastecimento (Ceasa), empresa de economia mista ligada à Seab. Ela organiza o comércio de produtos hortigranjeiros nos grandes centros urbanos do estado.
Na unidade curitibana, a produção da agricultura familiar representa 25% de todos os alimentos comercializados – cerca de 180 mil toneladas de comida apenas no ano passado.
Verduras, frutas, flores, sementes, ovos, peixes e temperos fazem parte da lista de itens que chegam e saem diariamente das “pedras”, áreas da central onde produtores e atravessadores negociam a produção.
De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67% dos trabalhadores do campo são empregados pela agricultura familiar. Ela ainda é responsável por 40% da renda da população economicamente remunerada nas áreas rurais do país.
Agricultura da família
Angélica Matucheski, 34, é agricultora em Almirante Tamandaré (PR), na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O sustento a partir do campo, como ela conta, vem de família. “Meu pai tem cinquenta anos de feira, ele começou quando era carroça ainda”.
Juntos, ela, o pai e os irmãos conduzem a propriedade de um alqueire (no Paraná, a medida equivale a 2,4 hectares ou 24.200 m²). Angélica comercializa a produção todos os domingos na Feira Livre do Juvevê, bairro residencial da capital. A organização começa sempre um dia antes do evento, com a colheita e armazenamento dos produtos.
Segundo o IBGE, dos 5 milhões de produtores rurais no Brasil, aproximadamente 3,9 milhões são da agricultura familiar. Ela representa, portanto, 77% do total de estabelecimentos agrícolas no país.
“No dia da feira, a gente chega de madrugada, monta a barraca e começa a colocar os produtos”. As vendas só param à tarde, quando o movimento diminui. Durante a semana, Angélica também faz a venda direta a consumidores no Colégio Internacional de Curitiba.
De acordo com o ex-secretário nacional da Agricultura Familiar, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Valter Bianchini, o formato de propriedade e produção da família Matucheski é comum na Região Metropolitana de Curitiba. “Esse [modelo] exige a presença constante de trabalho […] é uma agricultura difícil de se fazer em escala, com empregados”, afirma.
A diferença entre o modelo familiar e o convencional, geralmente praticado por grandes produtores, está, em primeiro lugar, na administração da propriedade. “É uma característica da agricultura familiar estar presente na chamada pequena propriedade rural”, explica Bianchini.
São consideradas pequenas propriedades as áreas abaixo de quatro módulos fiscais, definidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O módulo fiscal varia de acordo com o município.
Em Curitiba, a medida equivale a cinco hectares de terra. Na cidade de Almirante Tamandaré, onde fica a propriedade da família Matucheski, o módulo fiscal condiz a doze hectares.
De acordo com a Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, o agricultor ou agricultora familiar deve atender a quatro critérios para ser reconhecido pela legislação:
- Propriedade menor ou igual a quatro módulos fiscais
- Mão de obra predominantemente familiar
- Parte da renda familiar deve vir dos empreendimentos na propriedade
- A propriedade deve ser dirigida pela família
Políticas de incentivo
Além da capital, a Ceasa tem unidades em Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu e Cascavel. De acordo com Bianchini, as centrais são uma entre várias políticas voltadas ao setor. “O Pronaf é a principal política de agricultura familiar”, aponta.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) financia o custeio e o investimento em propriedades enquadradas na agricultura familiar a juros menores do que o praticado pelo mercado. Sobre o amparo aos produtores, o Valter Bianchini cita o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), antiga Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
Já a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem como missão o “desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura”. Para Bianchini, o órgão trabalha para aprimorar a prática da agricultura e desenvolver a área ao lado dos produtores. “Você tem mais ou menos quarenta centros da Embrapa espalhados em todo o Brasil, onde tem um conjunto muito grande de pesquisadores, que desenvolvem […] uma série de alternativas para fortalecer toda a agricultura”, explica.
Para Bianchini, que já foi oficial nacional da Organização das Nações Unidas (ONU) para Alimentação e Agricultura (FAO), parte desse grupo ainda não foi atendida pelas políticas de incentivo do governo. “Você tem um grupo relativamente grande que as políticas não atingem, não alcançam, precisaria de mais [políticas]”.
Mudanças no consumo
A cada semana, a banca de Angélica se renova no corredor de barraquinhas da Feira Livre de Juvevê. Ela trabalha com a produção e venda de hortaliças há mais de vinte anos. “Desde pequenininha”, afirma.
Ao decorrer dos anos, a agricultora tem observado mudanças na demanda pelos produtos. “Antes, você vendia o que você plantava. Hoje em dia, você tem que vender o que o cliente quer”.
“Tinha bancas só de batata, só de cebola, só uma variedade. Agora, se você não tiver diversidade, fica para trás”, explica. A diversidade na produção – dos legumes às verduras, das flores e do mel aos ovos e o pescado – é característica da produção familiar.
As commodities, por outro lado, se limitam a poucos itens produzidos em larga escala, como os grãos e a pecuária de corte. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), mais de 70% da soja produzida no Brasil vai para o exterior.
Para Angélica Matucheski, o cultivo em menor escala, mas com qualidade, é o mais importante. “Eu gosto desse estilo de vida, acho que vou continuar com isso”.
Ficha técnica
Reportagem: Rodrigo Matana
Edição: Vitor Beninni
Orientação: Cândida de Oliveira