A cidade de Curitiba é um dos destinos centrais no processo de migração e interiorização de pessoas que cruzam oceanos e terras estranhas, que optam por ir embora ou fogem do país de origem, seja por necessidade, seja por iniciativa própria, em busca de melhores condições de vida. De acordo com os dados do Subcomitê Federal para a Recepção, Identificação e Triagem dos Imigrantes, a capital conta com mais de 8.341 venezuelanos recebidos até agosto de 2024. O dado impressiona, mas o mais relevante está na transformação invisível que ocorre quando essas pessoas começam a refazer suas vidas.
Políticas Públicas municipais
Refugiados e migrantes têm perfis distintos e diferentes proteções legais, de acordo com o direito internacional. Refugiados são pessoas que foram obrigadas a deixar seu país de origem devido a perseguições, conflitos armados, violência generalizada ou graves evidentes dos direitos humanos, encontrando amparo na Convenção de Genebra de 1951, que lhes garantem proteção contra deportação e o direito de reconstruir suas vidas em outra nação. Os migrantes, por outro lado, deixam seu país de forma voluntária, buscando melhores condições de vida, trabalho ou estudo.
Em Curitiba, a Fundação de Ação Social (FAS) é o elo fundamental para a assistência aos migrantes e refugiados. A Casa da Acolhida e do Regresso (CAR), localizada na Rodoferroviária de Curitiba, funciona como um ponto de chegada e esperança. “A Casa da Acolhida oferece dois benefícios principais: o benefício eventual, que é a concessão de passagem rodoviária, e o acolhimento emergencial”, explica Débora Maria Pacheco de Carvalho, gerente da CAR.
O processo é simples, mas carrega uma complexidade humana. A triagem, feita por educadores sociais, identifica o perfil de cada migrante, e as secretarias da saúde, educação e habitação são acionadas quando necessário. Alguns são encaminhados para moradias temporárias como hotéis, repúblicas ou Unidades de Acolhimento Institucional (UAIs). Outros recebem passagens rodoviárias para reencontrar familiares ou buscar novas oportunidades em outras partes do Brasil.
O atendimento rápido e emergencial da CAR permite que, em poucas horas, uma pessoa possa ter seu destino traçado, com uma passagem rodoviária em mãos. Esse pequeno gesto representa muito mais do que uma viagem – é a possibilidade de reunificar famílias e restaurar esperanças.
Dentro da UFPR
A assistência vai além das instituições públicas formais. Em 2019, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, uma cooperação com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), e tornou-se referência no acolhimento e na educação de refugiados. A universidade oferece, além de bolsas de estudo, suporte jurídico, psicológico e de inserção acadêmica, promovendo a inclusão social dentro de seus muros.
O Programa de Extensão Política Migratória e Universidade Brasileira reflete esse compromisso humanitário com seis projetos em andamento: o Projeto de Extensão Refúgio, Migração e Hospitalidade; Projeto de Extensão Migração e Processos de Subjetivação: Psicanálise e Política, o Projeto de Extensão Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH); o Projeto de Extensão Desenvolvimento de Cursos de Capacitação em Informática para Imigrante; Projeto de Extensão Migrantes no Paraná. Preconceito, Integração e Capital de Mobilidade, e o Projeto de Extensão Oficina de História do Brasil para Estrangeiros.
A Sala 28, ponto de atendimento do programa, está localizada no Prédio Histórico da Federal, em frente à Praça Santos Andrade, e é um ponto de apoio crucial. Ali, demandas como pedidos de refúgio, naturalização, revalidação de diplomas e ingresso acadêmico são atendidas. Somente neste ano foram mais de 200 atendimentos realizados.
A mestranda Gabriela Manchak, integrante do projeto, descreve como o cotidiano é marcado pela solidariedade. “As demandas são as mais variadas possíveis. Muitas pessoas vêm em busca de ajuda para a naturalização, para o pedido de refúgio, e temos muitos pedidos de revalidação de diploma”.
O programa também oferece curso de português gratuito para os refugiados. Manchak explica como acessar os serviços do projeto: “Aqui nós temos a Sala 28, com equipes da psicologia e do direito. Extensionistas destes dois cursos, os alunos da graduação ficam aqui na sala, atendendo todos os dias a tarde. A gente também tem atendimento via WhatsApp”.
Além disso, a universidade oferece aulas gratuitas de português para imigrantes e apoio psicossocial. Rafael Alejandro Reina Brito, um migrante venezuelano estudante de psicologia pela UFPR e extensionista na Sala 28, explica como o acolhimento vai além do técnico. “Nós fazemos atendimentos psicossociais e auxiliamos as pessoas com dúvidas. A gente faz um atendimento mais empático, ouvindo as necessidades dos migrantes, porque às vezes é muito difícil para eles se expressarem.” Rafael está no Brasil desde 2020.
Operação Acolhida
Desde 2017, segundo dados fornecidos pelo Subcomitê Federal para a Recepção, Identificação e Triagem dos Imigrantes, o Brasil se tornou o porto seguro para mais de 1,1 milhão de venezuelanos que, diante do colapso político e econômico de seu país, se viram obrigados a buscar uma nova vida. A crise da Venezuela se desenrola em uma velocidade vertiginosa, enquanto a fome, a escassez de remédios e a insegurança sufocam seus habitantes levando-os a um fluxo migratório cada vez maior.
Desde sua implementação, a Operação Acolhida, que organiza e conduz a recepção de imigrantes na fronteira norte, tornou-se essencial para garantir que o fluxo de refugiados pudesse ser resolvido com dignidade. Criada em 2018, a operação envolve Forças Armadas, agências da ONU, ONGs e órgãos públicos para atender os venezuelanos em Roraima, a principal porta de entrada. É um projeto colossal: não só registra, mas oferece abrigo, alimentação e saúde aos que chegam. Depois, o objetivo é redistribuí-los pelo país, evitando a sobrecarga de um único estado. Para além dos números, estão os nomes, os sonhos, e o recomeço.
O caminho para a integração é longo e doloroso, com a superação das dificuldades linguísticas, a distância de casa., a inserção em outra cultura e por vezes a resistência da população. Curitiba, com sua arquitetura fria e clima temperado, pode parecer distante da realidade tropical venezuelana, mas é aqui que muitos recomeçam. O futuro, como as fronteiras, pode ser frágil e permeável. Mas, ao menos por agora, Curitiba é lar.