Ao percorrer nove farmácias em Curitiba, nos bairros São Francisco, Água Verde e Fazendinha, o cenário encontrado foi o mesmo: o Mounjaro, medicamento indicado originalmente para diabetes tipo 2 e cada vez mais usado para emagrecimento, simplesmente não fica mais em estoque. Nenhuma das unidades visitadas mantinha o produto na prateleira. A venda virou um processo de encomenda ou lista de espera.

Mesmo custando entre R$ 1.500 e R$ 1.900 nas doses mais baixas e chegando a R$ 3.500 nas mais altas, o preço não parece afastar o público curitibano. Crédito: Reprodução.

“A gente não passa uma semana sem vender um item desse”, afirma a farmacêutica Beatriz, que trabalha em uma farmácia do centro. Ela conta que a maioria dos clientes aparece com receita, especialmente depois da mudança em junho, quando a Instrução Normativa nº 360/2025 da Anvisa passou a exigir prescrição médica em duas vias e retenção da receita para a venda de agonistas de GLP-1, como o Mounjaro. “Antes da receita obrigatória, a venda era muito mais fácil. Mesmo assim, ainda tem bastante gente comprando.”

Na prática, porém, o maior obstáculo na regularização é encontrar o produto. Nenhuma das farmácias visitadas tinham o medicamento em estoque por conta da demanda. “A gente só trabalha com encomenda”, diz Beatriz. “Chega, entrega para quem pediu e acaba.”

A obrigatoriedade da receita médica e a dificuldade em acessar o medicamento por vias oficiais fez surgir uma série de rotas paralelas. Vendedores clandestinos utilizam redes sociais, como o TikTok, para vender canetas sem receita trazidas de outros países.

Reprodução: TikTok.

Segundo a farmacêutica Fernanda, que atua em uma unidade maior na região central, essa circulação clandestina tem crescido e envolve até profissionais de saúde.Eu escuto muita gente falar que já usou do Paraguai, que usa do Paraguai, inclusive muitos médicos mesmo sem ter nem aprovação da Anvisa”, relata. “A gente pergunta como foi a aplicação na clínica e a pessoa responde: ‘Ah, era seringa’. Isso já indica que é da ampola importada, que não tem aprovação da Anvisa.”

Para ela, o mais preocupante não é a tentativa de compra sem receita, mas o uso de versões sem regulação em contexto clínico. “Isso é o que mais me surpreende, saber que muitos médicos estão usando e abusando de um produto que teoricamente não é aprovado pela Anvisa. Se tem aprovação pela vigilância sanitária no Paraguai, ok, mas aqui não.”, afirma.

Segundo nota publicada pela Associação Brasileira para Estudo da Obesidade (Abeso), ao lado da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o uso de medicamentos falsificados pode resultar em danos graves à saúde, incluindo reações adversas inesperadas e exposição a substâncias perigosas que não passaram por qualquer controle de qualidade. Sem contar que o tratamento falso pode ser ineficaz, comprometendo o controle de doenças crônicas e sérias, como o diabetes, e colocando a vida dos pacientes em risco.

Enquanto Curitiba assiste a essa corrida silenciosa, o mercado oficial tenta se equilibrar entre o apetite crescente por resultados estéticos rápidos, a instabilidade do estoque e a expansão de rotas paralelas que prosperam na sombra da regulação.

Reportagem: Vitória Panza | Edição: Francielle Lacerda | Orientação: Gabriel Bozza