A temporada dos principais vestibulares e exames de ingresso ao ensino superior começa em outubro na capital paranaense. Considerando as provas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os próximos fins de semana ocuparão campi e colégios por toda a cidade.
No entanto, as expectativas para este ciclo ultrapassam a já esperada ansiedade dos adolescentes de ingressar na universidade. Afinal, os alunos que realizarão os exames são os primeiros a se formarem após a implementação do Novo Ensino Médio.
Esse é o caso de estudantes da rede pública e particular de Curitiba, como as irmãs gêmeas, Júlia e Lívia de Oliveira, 17 anos. As duas estudam no Colégio Estadual do Paraná, localizado no centro de Curitiba, e participam de cursinho preparatório oferecido pela própria instituição. “Achamos que o Novo Ensino Médio impactou nossa preparação para as provas de forma negativa, tivemos muitas faltas durante os últimos anos”, contou Júlia.
O que é o Novo Ensino Médio
Apesar de assim ser chamado, o Novo Ensino Médio é discutido há pelo menos 10 anos. Os debates perduraram até 2017, com a aprovação da Lei n. 13.415 durante o governo de Michel Temer. A proposta trouxe mudanças para o ensino, aumentando a carga horária, ampliando escolas integrais e possibilitando aos alunos decidirem diferentes caminhos de aprofundamento nos estudos. De acordo com o Ministério da Educação, o Novo Ensino Médio permitiria que os estudantes optassem por uma formação profissional e técnica dentro da carga horária regular, tirando a exigência de diversas disciplinas.
A efetivação ocorreu, contudo, apenas em 2022. A partir desse ano, os alunos passaram a ter uma formação geral básica de 1800 horas e obrigatoriedade apenas nas disciplinas de português e matemática. Com a criação de disciplinas eletivas e itinerários, coube a cada estudante escolher a área em que poderia aprofundar conhecimentos e desenvolver habilidades.

Para Júlia, que deseja cursar Química na Universidade Federal do Paraná e sua irmã Lívia, que quer Direito, boa parte de suas rotinas variam, mas as duas concordam que o principal problema do novo sistema é retirar matérias essenciais e inserir outras que não servem para as notas de vestibular ou Enem.
No caso de Marina Drabik, 17 anos, que estuda no colégio Bom Jesus Centro, a impressão que fica é que ela e seus colegas perdem muito tempo com aulas e matérias que consideram menos importantes do que os conteúdos que precisavam aprender para os vestibulares. Ela, que ainda se encontra dividida entre as áreas de Design e Biologia, se sente insegura com o que aprendeu. “A gente não sabe se vai ser o suficiente, e a gente tenta aprender tudo”, desabafa.
Para o professor Adalberto Scortegagna, da rede Bom Jesus, isso ocorre porque os principais vestibulares do país ainda não se adequaram para abraçar o Novo Ensino Médio. Adalberto explica que o sistema de ensino recém-instalado no Brasil se inspira nos métodos europeus e norte-americanos de preparação para a universidade e mercado de trabalho, mas boa parte dos exames brasileiros continua conteudista, assim como sempre foi.

O educador e pesquisador lembra que a aposta para o Novo Ensino Médio é interessante e permitiria aos estudantes desenvolver projetos de pesquisa e ampliar a própria autonomia, mas o acesso à vida universitária poderia sair do convencional vestibular e passar por, por exemplo, análise de currículo. “Para o Novo Ensino Médio funcionar de fato, um novo modelo de ingresso nas faculdades se faria necessário”, afirma.
Apesar disso, ele acredita que seus alunos estão preparados para as provas que acontecem a partir do próximo mês, já que tiveram atividades com todo o conteúdo que os editais pedem. Por meio da equipe de estatística do Centro de Estudos e Pesquisas da Rede Bom Jesus (CEP), Adalberto constata que o desempenho em provas diagnósticas (modelo Enem) e simulados são satisfatórios, com resultados que podem ser comparados aos dos anos pré-pandemia. Nas áreas de Humanas e Natureza, a performance chega a ser superior à da época do ensino médio tradicional (antes de 2022). “Os alunos acham que não chegam com conhecimento para essas provas por estarem acostumados com aulas expositivas, mas o rendimento deles é melhor.”
Para a professora Celia Guernieri, diretora do Colégio Estadual Angelo Trevisan, o cenário não é o mesmo. Ela menciona que as expectativas para as aprovações de seus alunos são menores que as do ano anterior. “Tivemos um bom índice [de aprovação] no ano passado, muitos foram aprovados na [Universidade] Federal e em outras ótimas universidades, mas penso que os alunos que vão prestar vestibular esse ano não vão se sair tão bem quanto os do ano passado”. Os motivos, segundo a professora, incluem o formato do novo ensino médio e as fragilidades que as turmas carregam durante os três anos de formação.

Desigualdade educacional aumenta com o novo modelo
Guernieri ainda acredita que o novo formato educacional não atende a realidade que ela, sua equipe e os estudantes do colégio vivem, uma vez que existem muitas faltas não suprimidas. Inclusive, de diálogo não existente entre universidades e escolas. Mesmo com o protagonismo que o sistema traria aos discentes, a formação para os componentes curriculares que os exames exigem enfraquece o modelo.
“Falta maturidade dos estudantes, falta preparo da equipe gestora para apresentar o novo ensino médio como ele deveria ser, falta mão de obra e preparo dos professores e os cursos técnicos são de baixa qualidade por falta de administração”, afirma a regente.
Somado a isso, Guernieri destaca que a reestruturação do ensino médio reforça as desigualdades sociais e educacionais. A disparidade é vista também por Júlia e Lívia, que percebem em suas experiências o que o novo ensino médio tirou para elas e seus colegas. “O pessoal de escola pública perdeu matérias e temos que escolher entre elas para não ter prejuízo”.
A professora Renata Peres Barbosa, do Setor de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR, concorda. Segundo ela, aproximadamente 85% dos de estudantes que concluem o ensino médio estão na rede estadual. “É dessa dimensão que estamos falando ao citar acesso ao ensino superior. As nossas pesquisas já mostram uma distorção das redes estaduais para escolas de elite, aprofundando as desigualdades educacionais, ocorrendo até mesmo uma segmentação interna significativa entre regiões em Curitiba”, comenta.

Além disso, Barbosa observa que houve recuo da carga horária básica, com adição de componentes curriculares questionáveis, de conhecimento difuso e sem campo científico reconhecido. Não há professor formado para atender o novo ensino médio”, Barbosa desabafa. “Com os últimos três anos sem garantia de repertório de aprendizagem para acessar as universidades e implementação de plataformas digitais em excesso, a expectativa é que veremos um impacto no desempenho dos estudantes nos vestibulares e exames”, analisa.