A cidade de Curitiba tem cerca de cinco rios principais, sendo eles os rios Iguaçu, Barigui, Atuba, Passaúna e Belém, porém, quem os observa, percebe as condições precárias que os corpos d’água se encontram devido à poluição. Segundo o relatório da Qualidade das Águas da Bacia do Iguaçu, de 2023, as águas do Rio Barigui e Belém se classificam como “ruim”, com um IQA de 26 a 50, uma escala que vai de qualidade da água ótima (IQA 91 a 100) à péssima (IQA 0 a 25).
De acordo ainda com uma pesquisa realizada pelo jornalista Eduardo Fenianos, “Expedições Urbenauta Missão Curitiba: Rios e Limites”, em 2015, existem 284 pontos de despejo de esgoto irregular nos cinco principais afluentes da capital.
Rio Barigui e Rio Belém
Segundo o IBGE, a cidade de Curitiba ganhou cerca de 137.670 habitantes nos últimos dois anos. Esse aumento populacional, junto com a expansão urbana não planejada, apresenta riscos de piora para a atual condição dos rios da capital paranaense.
A situação dos rios Barigui e Belém, que cortam Curitiba e a região metropolitana da capital, é emblemática tendo em vista os desafios de poluição enfrentados pelos recursos hídricos urbanos no Brasil. Ambos os rios apresentam índices de poluição elevados, segundo dados do Instituto Água e Terra (IAT). Em alguns trechos, o Índice de Qualidade da Água (IQA) chega a níveis críticos (IQA entre 0 e 50), classificados como “ruins” ou “muito ruins”.
Esses rios, além de servirem de habitat para a fauna local, também desempenham um papel essencial para a qualidade de vida dos curitibanos, atravessando áreas de lazer e bairros densamente povoados. A presença dos rios contribui para o controle da temperatura da cidade, atrai fauna e flora para a cidade e auxilia também na saúde mental dos moradores, que tem mais contato com a natureza.
O que é IQA?
O poder público utiliza dados do Monitoramento da Qualidade da Água dos Rios de Curitiba, que se baseia no Índice de Qualidade da Água (IQA) para avaliar as condições dos rios na capital paranaense. De acordo com o Plano Municipal de Esgotamento Sanitário, publicado em novembro de 2017, o monitoramento é realizado pelo Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento (MARHS), subordinado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
O Índice de Qualidade da Água (IQA) é um parâmetro utilizado para avaliar a condição de corpos d’água, considerando uma série de fatores físicos, químicos e biológicos que indicam o nível de poluição e a adequação para usos diversos, como consumo humano e preservação da vida aquática. O IQA, cujo valor vai de 0 a 100, sendo divididos entre Ótimo (91 a 100); Bom (71 a 90); Razoável (51 a 70); Ruim/Poluído (26 a 50) e Péssimo/Muito Poluído (0 a 25) é calculado a partir de um conjunto de variáveis, como turbidez – excesso de partículas dentro da água – oxigênio dissolvido, coliformes fecais, pH, nitrogênio, fósforo, temperatura, sólidos totais e demanda bioquímica de oxigênio (DBO), que são medidas e calculadas de modo específico, conforme consta no estudo da Qualidade das Águas da Bacia do Iguaçu.
Esses elementos são medidos em laboratório e inseridos em uma fórmula que atribui um valor numérico entre 0 e 100 à água, categorizando sua qualidade em faixas como ótima, boa, regular, ruim ou péssima. Esse índice é amplamente utilizado no Brasil, especialmente em programas de monitoramento ambiental e políticas públicas para a gestão sustentável dos recursos hídricos. Anteriormente esse índice era chamado de Avaliação Integrada da Qualidade da Água (AIQA) e utilizava uma escala que variava entre “Muito boa” (0,00 a 0,20) e “Extremamente Poluída” (>1,20).
Dados do Instituto Ambiental das Águas, no relatório “Qualidade das Águas – Rio da Bacia do Alto Iguaçu na Região Metropolitana de Curitiba (2005-2009)”, já indicavam altos índices de poluição na sub-bacia do Rio Barigui. Segundo o estudo, o rio apresentou um Índice de Qualidade da Água (IQA) de 1,12, classificação que o enquadramento como “muito poluído”, em uma escala de varia entre Muito boa e Extremamente Poluída. No relatório atualizado de 2023, o IQA do Rio Barigui no ponto de coleta AI10, localizada na Ponte da Caximba – divisa ente os municípios de Curitiba e Araucária, ficou classificada como “ruim”.
A moradora Gizele Pereira, de Almirante Tamandaré, relembra os anos de infância e adolescência, há cerca de 30 anos, quando passava horas com os amigos nadando no Rio Barigui, próximo ao Parque Tingui. O hábito era comum entre os jovens da época, mas com o crescimento desordenado do bairro, a poluição acabou afastando os frequentadores do rio. Segundo ela, o problema surgiu tanto pelo despejo de lixo doméstico diretamente nas águas quanto pela falta de infraestrutura adequada, que não acompanhou o aumento populacional. “É triste ver. As cachoeiras ainda estão lá, mas é totalmente poluído, as pedras, tudo.”
“As cachoeiras ainda estão lá, mas é totalmente poluído”
Gizele Pereira, moradora de Almirante Tamandaré
A próxima coleta para verificação da qualidade da água em 2024 deverá ser feita na segunda metade do mês de novembro.
O que polui os rios?
A poluição dos rios Belém e Barigui é uma questão multifacetada, com origem na expansão urbana desenfreada e pela falta de infraestrutura adequada de saneamento. No histórico dos relatórios de Qualidade das Águas dos últimos 20 anos do Rio Belém, por exemplo, foi identificado o constante alto teor dos componentes nitrogênio, fósforo e a bactéria Escherichia coli, microorganismo presente na flora do intestino humano.
Tais elementos encontrados nas análises dos rios, apontam para a existência de esgotos irregulares que caem diretamente nos corpos d’água. A hipótese é comprovada pela análise de Feniano, em parceria com o Corpo de Bombeiros, que identificou as coordenadas exatas dos esgotos ilegais. Só o afluente do Rio Barigui, que corta a cidade, conta com mais de 80 lugares de descarte de esgoto direto. A presença de lixo e esgoto nos corpos d’água diminui o oxigênio dissolvido na água e dificulta a existência da vida aquática
Além das saídas de esgoto irregular, os rios também sofrem com o descarte incorreto de lixo doméstico. De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, em Curitiba, são retiradas quase 140 toneladas de lixo por mês dos rios.
Amalia Pereira, voluntária e ativista da organização internacional sem fins lucrativos Sea Shepherds, focada em conservação da vida marinha, confirma os dados. Segundo ela, durante as ações de limpeza dos rios, os resíduos mais encontrados são embalagens de alimentos, pratos de isopor, copos plásticos, muitos micros plásticos, garrafas pets, tampinhas de garrafas pets, garrafas de vidro e muitas bitucas de cigarros. “Se a ação de limpeza for às margens dos rios sempre tem descarte de tecidos, como roupas diversas, calçados, pneus, borrachas diversas, lâmpadas e componentes eletrônicos”, explica.
A poluição dos rios, tanto pelo esgoto, quanto pelo lixo, diminui o oxigênio dissolvido na água e dificulta a existência da vida aquática.
Soluções
Segundo o diretor do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento, Antônio Carlos Gerardi, o problema do esgoto se dá, principalmente, em áreas de terrenos ainda não regularizados, uma vez que a Prefeitura não pode instalar sistemas de esgoto, segundo ele, por questões burocráticas. Porém, segundo o Relatório Ambiental de Eduardo Feniano, as coordenadas dos esgotos irregulares apontam também para regiões consideradas “nobres” da cidade, como a região do Ecoville, no bairro Mossunguê, onde, em tese, não haveria problemas com a regulamentação.
Para a vereadora e urbanista Laís Leão, a questão dos rios é mais complexa e envolve a relação dos moradores com a natureza da cidade. Ela afirma que hoje não é mais permitido canalizar os rios, porém ainda é possível realizar a concretagem do leito, como acontece na região do Centro Cívico, por exemplo. “A Prefeitura faz muito… não é a melhor ideia, você impermeabiliza o leito, tira toda a mata ciliar, ele perde o seu caráter ambiental”, explica.
Segundo a vereadora, a melhora da qualidade das águas depende de uma mudança de atitude pública e privada em relação os rios que cortam Curitiba. “Entender o espaço relacionado às águas como parte da cidade e não como algo a ser sobreposto ou escondido. O caminho seria recuperar os rios, mudar esse entendimento, como política pública mesmo, de como a gente trata os rios”, argumenta.
Ficha técnica
Reportagem: Alice Lima e Ana Clara Osinski
Edição: Isadora Kovalczuk e Vitor Beninni
Foto Capa: Valentina Copack Muniz
Orientação: Cândida de Oliveira