Rentabilidade e respeito à natureza
Reportagem: Ana Clara Osinski, Giuliano Boneti, Vitoria Panza e Vitor Beninni
Edição: Erika Boslooper, Izabel Forquim e Maíra Becker
A intensificação da emergência climática, o alto volume de produção e o descarte incorreto no setor da moda abrem espaço para discussões sobre a relação entre a indústria têxtil e o futuro do planeta. A sustentabilidade está cada vez mais presente na sociedade, por meio de políticas públicas, incentiva ações mais conscientes de empresas na criação e comercialização de produtos.
O tingimento têxtil é o maior poluidor de águas no mundo, e a produção global de roupas gera até 8% do volume total de emissão de carbono, principal responsável pelo aquecimento global. Os dados levantados pela Organização das Nações Unidas (ONU) indicam ainda outro ponto preocupante: a cada segundo, um caminhão de roupas é jogado no lixo, e estima-se que a indústria seja responsável por até um quarto da emissão global de carbono até 2025.
Esses números alertam para a necessidade de uma maior conscientização ambiental, que vai desde o mercado até o consumidor. O setor é estimulado a adotar práticas mais conscientes e menos agressivas ao meio ambiente. Já o público, cabe procurar alternativas sustentáveis de consumo.

A conscientização na indústria da moda
Gustavo Loiola é especialista em sustentabilidade e atua pela ONU na UN Global Impact, uma iniciativa que estimula as empresas a buscarem alternativas de responsabilidade social e sustentável. Segundo Gustavo, a perspectiva ambiental deve ser observada em todas as etapas de produção da moda. “Para entender moda sustentável, é preciso entender que a moda é uma cadeia, não só a roupa, o vestuário em si, mas todo o processo de produção, do agronegócio ao vendedor, até o final da vida do produto. Pensar na moda sustentável é pensar em todas estas etapas”, explica.
Nos últimos anos, o conceito Ambiental, Social e Governança ou ESG (sigla para Environmental, Social, and Governance) tornou-se um parâmetro essencial para avaliar o compromisso de empresas com a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa. Segundo dados da Aliança Global de Investimento Sustentável ou GSIA (Global Sustainable Investment Alliance), investimentos globais em ativos ESG chegaram a US$ 35,3 trilhões em 2020, representando um crescimento de 15% em dois anos. Marcas da moda que investem em práticas sustentáveis têm conquistado a preferência de consumidores e investidores cada vez mais atentos, impulsionadas pelas sanções aplicadas pelo ESG.
A indústria da moda movimenta cerca de US$ 2,3 trilhões por ano no mundo e é a consiste na segunda atividade econômica mais poluente do planeta, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) publicado em 2021. No Brasil, de acordo com estimativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a expectativa é que o setor atinja um faturamento de US$ 1 trilhão até 2025, impulsionado pelas vendas online.
“As regulações atentas às questões de sustentabilidade têm crescido bastante nos últimos anos. As empresas precisam se preparar para que quando essas regulações se apertem, e cada vez mais impactem suas estratégias, elas estejam preparadas; caso contrário, irão sofrer potenciais sanções, pagamentos de multa ou vão ter que se adaptar de uma hora para outra. Ignorar essas coisas pode simbolizar um risco reputacional de imagem e perder capital de investidor”, observa Gustavo Loiola.

Design sustentável
Em Curitiba, o cenário da moda sustentável vem ganhando adeptos, com marcas e designers locais se destacando pela inovação e pelo compromisso ambiental. Este é o caso de Luan Valloto, designer paranaense de moda sustentável que aplica o conceito de zero waste, que consiste na mínima produção de resíduos em seus trabalhos.
Valloto, natural de Vale da Seda, no norte do Paraná , conta como une o uso de materiais regionais com o reaproveitamento de resíduos da indústria. “Utilizo tecido reciclado, que vem de uma origem já descartada, transformado em um novo. Então, restos de outras empresas viram fio novamente. Também aproveito materiais biodegradáveis, algodão de menor impacto ambiental”.







O ecodesign, vertente do design que visa diminuir o uso de recursos não-renováveis na confecção de produtos, tende a priorizar a utilização de materiais biodegradáveis e fios reciclados da indústria, com menor impacto ambiental para a produção.
No entanto, os preços das peças ainda são um obstáculo para um público maior consumir a moda sustentável. Segundo Valloto, suas produções mantêm um preço que respeita o processo de criação sustentável. “As pessoas estão acostumadas a comprar uma roupa que não paga seu próprio sistema de produção, e que gera muito lixo, problema ambiental. Se uma peça é muito barata, ela provavelmente não está respeitando as pessoas, o meio ambiente, a água – não paga seu ciclo.”
Alternativa em conta e sustentável
Como caminho mais acessível ao público geral, os brechós vêm ganhando destaque nos últimos anos. Especializados na venda de roupas e acessórios de segunda mão, costumam oferecer peças em bom estado e, muitas vezes, de grifes conhecidas a preços acessíveis. O ramo cresceu mais de 30% em cinco anos, segundo uma pesquisa publicada pelo Sebrae. Em geral, esses itens são previamente selecionados e passam por um processo de curadoria, garantindo qualidade e estilo diversificado para os clientes.
Para Larissa de Souza, produtora de comerciais e idealizadora de uma feira de brechós, o crescimento está associado ao processo de conscientização. “O segredo está nas pessoas entenderem o quanto faz mal para o meio ambiente ter uma roupa produzida a cada segundo. É você entender que a sua roupa tem várias alternativas, poder fazer vários looks com a mesma peça”, afirma.
Os brechós atraem um público majoritariamente adulto, que corresponde a 60% dos consumidores desse segmento, de acordo com pesquisa do Sebrae. Entre os demais clientes, 12% são jovens com menos de 30 anos, refletindo o interesse crescente dessa faixa etária pelo consumo consciente e pela moda de segunda mão. Já o público da terceira idade representa apenas 5% dos consumidores.
Para Larissa, apesar da crescente procura, o estigma relacionado à compra de roupas usadas ainda existe, e dificulta o trabalho de conscientização. “Vejo que esta geração atual, que a gente esperava que fosse mais para frente, está andando um pouquinho para trás. Vemos muito preconceito dos mais novos, um movimento contra brechós”, alerta.
O advogado Vitor Costa, de 24 anos, aderiu a essa cultura em 2022, a convite de um amigo, e se surpreendeu com a qualidade das peças de roupa. “Eu não tinha a mentalidade de que as roupas tinham um bom estado de conservação, que eram marcas muito boas que estavam aqui. E essa não é a mentalidade que o brasileiro tem com brechós, no exterior essa cultura é muito bem-vista, e deveria ser o mesmo aqui”, diz
A oportunidade de comprar roupas a preços abaixo do mercado influencia na alta procura do setor, mas para Vitor, um dos motivos que o levaram a aderir a esta cultura foi o consumo sustentável. “Ao mesmo tempo que você está levando para frente roupas que outras pessoas deixaram de usar por vários motivos, você acaba diminuindo este consumo excessivo. É muito melhor para o meio ambiente”, completa.
Confira abaixo uma reportagem de áudio sobre o tema!
