
As mudanças climáticas afetam a saúde dos animais silvestres e ameaçam a extinção de quase 11 mil espécies no mundo inteiro, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. Esse cenário ambiental é consequência direta do comportamento humano e está sendo agravada pelo uso de combustíveis fósseis e emissão de gás carbônico (CO2).
Em 2015, foi registrado o primeiro evento de extinção ligado às mudanças climáticas: a espécie de roedor Melomys rubicola, da ilha de Bramble Cay, na Austrália, teve sua população inteira afogada pelas marés em ascensão. De acordo com a Center for Biological Diversity — ONG internacional que busca conservar a diversidade biológica na natureza — até 70% das espécies animais e vegetais que vivem no planeta serão extintas até o final do século se as emissões de gás carbônico continuarem a crescer como hoje.

O veterinário do Passeio Público e do Zoológico de Curitiba, Manoel Javorouski, relata alterações no comportamento de alguns animais presentes nos espaços. “Temos animais fazendo ninho durante o inverno. Não é a época normal desses animais se reproduzirem. Todas as espécies são afetadas, algumas são mais adaptáveis a essas alterações do que outras”.
“Todas as espécies são afetadas” – Manoel Javorouski, Veterinário
A mudança do clima atinge inicialmente os animais que estão na base da cadeia alimentar, porém as consequências afetam o desequilíbrio de toda a pirâmide alimentar, englobando os predadores e as presas.
“A gente não sabe qual vai ser o futuro dessas alterações climáticas. Vamos perceber, daqui a algum tempo, espécies desaparecendo, principalmente anfíbios, e animais vindo para perto dos humanos por falta de alimentação na natureza”, alerta o veterinário.
O perigo dos eventos climáticos extremos
Com o aumento da temperatura global, os eventos extremos, ou, como são frequentemente divulgados, desastres naturais, tornam-se uma ameaça cada vez mais frequente no mundo todo. De acordo com o Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), esses eventos são responsáveis por causar uma séria interrupção no funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, além de perdas materiais e econômicas e danos ao ambiente e à saúde das populações.
Em abril e maio de 2024, as enchentes que atingiram mais de 400 municípios no estado do Rio Grande do Sul foram consideradas uma das maiores catástrofes climáticas da história do Brasil. Segundo o Brasil Escola, este tipo de tragédia climática é intensificado pelas mudanças climáticas. Dentre as inúmeras perdas ocasionadas pelo desastre, destacam-se os impactos nos habitats e na vida dos animais silvestres da região. Uma imagem que ficou marcada como símbolo do sofrimento animal em meio ao evento foi a do cavalo Caramelo, que ficou ilhado em um telhado durante as enchentes.

A revista científica PLOS Climate publicou em fevereiro deste ano um estudo que analisou 333 locais na África onde vivem primatas. Foi concluído que houve um aumento de temperatura em todas as localidades estudadas. Dessa forma, os animais em questão estão mais expostos e vulneráveis a impactos das mudanças climáticas, o que pode alterar a alimentação e o funcionamento das comunidades dessas espécies.
Gabriel Rangel é estudante de Ciências Biológicas na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e faz parte de um projeto de pesquisa que estuda o tamanho e a composição de grupos de bugio-ruivo em parques municipais de Curitiba. Ele comenta sobre dois eventos extremos que afetam a espécie, que já é ameaçada de extinção: as enchentes no Rio Grande do Sul e as ondas de calor no México.
“Infelizmente, no Rio Grande do Sul não teve muito o que fazer, porque muitos fragmentos florestais ficaram simplesmente ilhados e, ou os animais morreram de fome, ou as árvores em que eles estavam se abrigando acabaram sendo levadas pela força da correnteza”, explica o universitário.
Já no caso do México, ocorrido em uma floresta no estado de Tabasco em maio deste ano, diversos macacos bugios de manto caíram mortos de árvores devido às altas temperaturas e à seca. “Os biólogos conseguiram agir com certa rapidez em colocar pontos de hidratação com frutas para ajudar esses animais”, comenta Rangel.

Impactos em animais domésticos e aquáticos
As transformações climáticas não afetam somente os animais silvestres. Os animais domésticos também estão expostos aos prejuízos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Pet Brasil (IPB), a população de animais de estimação no Brasil é de 139,3 milhões, composta por: cães (54,2 milhões), aves (39,8 milhões), gatos (23,9 milhões), peixes (19,1 milhões), répteis e pequenos mamíferos (2,3 milhões). Por ser um país com uma das maiores populações de pets no mundo, as consequências das constantes alterações climáticas são percebidas pelos donos de animais domésticos.
Franciele Cristina é dona da Jade, uma cadela da raça husky siberiano, uma das principais raças afetadas por ser típica de climas de inverno. De acordo com a tutora, apesar das tentativas de amenizar o desconforto canino, é notória a indisposição e mudança de comportamento do animal durante as ondas de calor, que não eram tão frequentes em Curitiba. Mesmo com o cuidado dos donos, esses cães não ficam ilesos aos fungos e parasitas que se proliferam devido à oscilação e ao aumento da temperatura no país, podendo sofrer com doenças respiratórias.
Os malefícios das modificações climáticas também são visíveis na vida marinha. A mudança da temperatura da água e do nível do mar estão levando a modificações no habitat e consequentemente no comportamento dos animais aquáticos. Segundo a veterinária Daniele Uhren, “o calor é muito decisivo para alguns animais como os corais, porque além do calor, existe a acidificação dos oceanos. Então os corais, que são muito importantes para a manutenção de quase toda vida oceânica, acabam sofrendo muito nessa fase de alterações no ambiente”.
A acidificação do oceano ocorre quando a água do mar absorve gás carbônico da atmosfera, diminuindo seu pH e, consequentemente, tornando-se ácida. Esse fenômeno é causador de diversos prejuízos na vida marinha como perda de biodiversidade, alteração na capacidade de reprodução e a destruição dos recifes de coral.

As mudanças climáticas são fenômenos naturais que ocorrem desde os primórdios da Terra. Ao longo de sua história, o planeta já passou por diferentes eras geológicas e enfrentou pelo menos cinco extinções em massa. No entanto, a principal diferença é que as transformações e os efeitos provocados pela mudança do clima atual estão acelerados e intensificados, em grande parte, pela ação humana. De acordo com Daniele Uren, cabe à humanidade o papel de “tentar amenizar e não acelerar esse processo’’.
De que outras formas os animais são impactados?
Confira na reportagem abaixo outros detalhes sobre como as mudanças climáticas afetam os animais silvestres e domésticos no Brasil, de acordo com o veterinário do Passeio Público e do Zoológico de Curitiba, Manoel Javorouski, a veterinária Danielle Uren e o professor universitário Jair Antônio de Oliveira, dono da Matilda, uma collie albina, surda e com visão parcial.