De sua sanção até o ano de 2019, a presença de estudantes vindos de escolas públicas, estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas na sala de aula das universidades brasileiras aumentou para 205%, segundo estudo realizado pela Lepes e UFRJ. Estamos falando da Lei de N°12.711, mais conhecida como “Lei das Cotas”; uma lei que, de tão ampla, se não atinge você diretamente, atinge alguém que você conhece. Em agosto deste ano ela completa 11 anos, mas as muitas décadas de discurso e evoluções que a fomentaram é do saber de poucos.
Desde a difusão do debate a favor das ações afirmativas na América do Norte até sua chegada na esfera pública brasileira foram cerca de 50 anos. Os primeiros resultados palpáveis dessa peleja por maior diversidade no ensino superior alcançaram as salas de aula das IES apenas em 2003, com a política de cotas para ingresso sendo implantada de forma independente pelas próprias universidades (algumas) e suas gestões. As três grandes pioneiras foram a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desta trajetória difusa e longa, um podcast (disponível no Spotify do Jornal Comunicação) realizado por duas estudantes do curso de jornalismo da Federal do Paraná, Isabelle Gesualdo e Jéssica Blaine, busca traçar um panorama histórico, trazendo relatos dos primeiros estudantes negros e negras que ingressaram nas universidades brasileiras por meio das cotas raciais. Intitulado de “Deseuropeizemos”, o produto foi realizado para disciplina laboratorial de Projeto Jornalístico e nasceu com o objetivo de narrar como as cotas foram implementadas, quem foram os precursores que lutaram por este propósito e, especialmente, entender qual era o contexto dos cotistas raciais à época e como as ações afirmativas impactaram suas vidas.
A escolha do nome do programa está atrelada à representatividade negra que só veio ser possível através da política de cotas em espaços que antes eram majoritariamente ocupados por pessoas brancas. Nestes três primeiros episódios lançados (com previsão de continuidade) o ouvinte conhecerá a influência e impacto do movimento negro internacional no processo de implementação das cotas no Brasil; a forte pressão do setor judicial, da imprensa e da própria esfera pública na tentativa de deslegitimar a política; os inúmeros episódios discriminatórios — tanto por parte do grupo discente quanto de docentes das instituições — que os primeiros cotistas encararam, além do impacto que a política exerceu na vida pós graduação desses jovens, hoje adultos e muito bem posicionados no mercado de trabalho.
“Me emociona pensar o tanto que tivemos que trabalhar em termos de conhecimento, informação, de estudos mesmo… tudo para mostrar, para fazer com que a população se tornasse solidária [às cotas]. O conhecimento e a informação foram nossas únicas armas”
– Dora Bertúlio: procuradora da UFPR, protagonista no movimento nacional antirracista a favor das cotas e entrevistada do primeiro episódio