O baixo índice de médicos Negros em Curitiba  

Sistema de saúde carece de representatividade racial, fator histórico ainda influência

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O Sistema Único de Saúde (SUS) em Curitiba emprega cerca de 35 mil profissionais para atender mais de 53 mil pessoas diariamente. No entanto, a presença de médicos negros é bastante limitada, representando apenas uma pequena parcela dos profissionais de saúde da cidade. Esse número evidência um histórico de desigualdade racial que ainda afeta o setor. No Brasil, a experiência de nunca ter sido atendido por um médico negro não é rara, refletindo a baixa representação de pessoas negras não só na medicina, mas também em outras áreas profissionais, como no direito e na pedagogia.  

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55% dos brasileiros se identificam como pretos (9,4%) ou pardos (46,8%), o que representa mais da metade da população do país. Apesar disso, apenas cerca de 3% dos médicos no Brasil são negros, um dado que ressalta o descompasso entre a composição racial da população e a representatividade na medicina. 

Questionar a falta de representatividade negra na área médica, tanto nacional quanto regional, exige considerar um aspecto essencial para transformar essa realidade: as cotas raciais. Esse direito permite com que espaços majoritariamente ocupados por uma população privilegiada – do ponto de vista social ou econômico – sejam ressignificados por grupos que foram historicamente inferiorizados. 

Disparidade social, um problema de 500 anos  

A baixa presença de profissionais negros na área da saúde no Brasil, é um fator histórico, mas também um reflexo das persistentes desigualdades sociais que, desde a colonização, limitaram o acesso de grande parte da população a oportunidades de desenvolvimento e ascensão social. A Lei n°12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, reserva 50% das vagas em instituições federais de ensino para estudantes de três tipos de cotas: sociais, raciais e para pessoas com deficiência.  

Em 2024 essa lei completou doze anos de implementação, mas para um país que teve sua história sedimentada sobre o solo da escravidão, as desigualdades ainda prevalecem. O acesso à educação de qualidade é essencial para qualquer indivíduo ingressar no ensino superior, e o curso de Medicina está entre os mais procurados do país. Segundo dados da pesquisa “A Demografia Médica CFM – 2024”, realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o número de médicos em atuação no Brasil chega a cerca de 545,4 mil. Este dado equivale a 2,56 médicos por mil habitantes. O conselho ainda conclui que desse meio milhão de médicos atuantes, apenas 3% são negros.  

A pedagoga e pesquisadora em questões raciais da UNEB e da UFBA, Delcele Queiroz, alega em sua pesquisa que vemos hoje um reflexo da abolição da escravatura que não deu condições aos negros de se inserirem na sociedade. “A pobreza em que foi colocada essa população faz com que hoje essas pessoas ainda estejam em desvantagem. É uma razão histórica”.  

Ainda no ano de 2024, o Conselho Federal de Medicina suspendeu a implementação da cota para residências médicas, alegando que “as desigualdades educacionais já foram mitigadas pela inclusão de grupos historicamente menos favorecidos nas faculdades de medicina”. Entretanto, as instituições de ensino superior, incluindo as faculdades de medicina, muitas vezes reproduzem desigualdades raciais, criando barreiras para estudantes negros, fomentando o chamado racismo institucional.  

Estado Sulista com mais negros  

Segundo o Censo 2022 do IBGE, aproximadamente 24% da população de Curitiba se autodeclara preta ou parda. Isso torna Curitiba a capital mais negra da Região Sul do Brasil. Apesar da quantidade de pessoas negras na capital paranaense, a cidade ainda enfrenta desafios relacionados à desigualdade racial, visto que essa parcela tende a estar mais concentrada em regiões periféricas e a ocupar, em média, postos de trabalho com menor remuneração. 

O cenário da pessoa negra na medicina no Brasil é reflexo de uma sociedade em que metade da sua população ainda não obteve as mesmas chances de crescimento social, e está em desvantagem em oportunidades e distribuição de renda. O escritor negro Jeferson Tenório, em seu livro “O Avesso da Pele” defende que é necessário preservar aquilo que ninguém vê, o avesso.  No contexto da saúde, isso significa não apenas denunciar as disparidades existentes, mas também exigir políticas públicas que promovam a inclusão de profissionais negros e garantam acesso justo a serviços de qualidade para toda a população. 

 

Ficha Técnica

Reportagem: Naomi Mateus e Thais Castro

Orientação: Cândida de Oliveira